Reconstituição Histórico-documental da Vida do FC Porto em parcelas memoráveis

Reconstituição histórico-documental da Vida do FC Porto em parcelas memoráveis

Criar é fazer existir, dar vida. Recriar é reconstituir. Como a criação e existência deste blogue tende a que tenha vida perene tudo o que eleva a alma portista. E ao recriar-se memórias procuramos fazer algo para que se não esqueça a história, procurando que seja reavivado o facto de terem existido valores memorávais dignos de registo; tal como se cumpra a finalidade de obtenção glorificadora, que levou a haver pessoas vencedoras, campeões conquistadores de justas vitórias, quais acontecimentos merecedores de evocação histórica.

A. P.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Ricardo – Referência Madeirense do Hóquei em Patins Portista e Nacional


A Madeira é um jardim, como entoa a cantiga popular e bem se diz no sentido da beleza natural, mas não só, também pelo caracter de seu valor humano. Tendo derivado do povoamento daquelas paragens no meio do Atlântico, em resultado das descobertas de Zarco, Tristão e Perestrelo, toda uma casta de gente que tem dado bem conta do legado do Infante D. Henrique.

A Madeira, típica por seu ambiente florido e paisagens em cascatas atraentes, qual tela de diversos matizes, seduz num panorama idílico que dá ideia de ser musical aos olhos. Numa proporção que até fez brotar outros dotes personalizados. Tal como, entre diversas pessoas salientes, viu nascer em seu regaço ilhéu alguns bons exemplos: Max deu voz às mais conhecidas cantigas do folclore local; Sérgio Borges foi uma voz singular na música dos conjuntos académicos e venceu em Portugal o então mediático Festival RTP da Canção; Luís Jardim é um dotado e multifacetado homem da música; enquanto Vânia Fernandes venceu o Festival RTP da canção e chegou a ser representante de Portugal no Festival da Eurovisão. Bem como nas letras irradia cultura nuns José Tolentino Mendonça e Herberto Helder, por exemplo. Mais desempenhando papel de relevo em filmes, tendo como ilustre ator cinematográfico o artista Virgílio Teixeira, que andou nas telas do cinema nacional e internacional. Tanto ou mais como se eleva na linha Jardim de políticos famosos, um dos quais, Alberto João (quer se goste ou não, sendo admirado por muitos e nem tanto por outros), é figura incontornável da história do desenvolvimento da Madeira e Porto Santo.
E também no desporto o paradigma humano da natureza da Madeira tem saliência, a começar em Pinga, o célebre Artur de Sousa “Pinga”, em seu tempo tido como melhor do futebol português e considerado o primeiro fenómeno madeirense, até ao atual representante-mor, o futebolista prestigiado Cristiano Ronaldo, este considerado algumas vezes já o melhor do mundo no universo do futebol. Assim como, entre outras modalidades e seus melhores praticantes, tendo o hóquei em patins já tido impacto notório no arquipélago da Madeira, na senda do hóquei patinado ser modalidade querida dos portugueses, José Ricardo foi o maior embaixador do hóquei madeirense, com efeito, como grande valor do hóquei nacional. Pois Ricardo, somente, como era mais conhecido, mas também referido por José Ricardo e Ricardo Sousa, foi o melhor hoquista português nascido na Madeira – num honroso lote em que ele foi expoente, como ficou expresso na sua transferência para o continente do país, inicialmente para o Sporting de Lisboa por uma época, e mais tarde aportando no F C Porto durante seis épocas, até descalçar os patins. Ficando assim a enfileirar junto com Branco, Castro, Jorge Câmara e Januário no lote dos que, em períodos diferentes, jogaram igualmente no F C Porto, além de também noutros clubes continentais. Entre boas colheitas, cujas ilhas vulcânicas produzem mais, mas também, como o vinho Madeira sui generis, de longa duração.

= Ricardo na Seleção da Madeira, em 1967. Vendo-se Castro e Ricardo sentados, à esquerda da foto. Pose de recordação no balneário, com o ator também madeirense Virgílio Teixeira, no final de disputado jogo com a Seleção de Lisboa. =

O hóquei em patins ganhara boa projeção na Madeira, em cujo meio sensivelmente a partir de princípios dos anos sessentas, em pleno século XX, foi ganhando maior protagonismo no panorama desportivo. Daí que os melhores valores dessa modalidade passaram a ser alvo dos clubes continentais, com epicentro em jogos de seleções entre representações da Associação de Patinagem do Funchal e de cidades do Continente, sobretudo de Lisboa. Seguindo-se mais outras direções, como aconteceu quando o F C Porto, então em fase de ascensão do hóquei em patins no clube, reforçou suas fileiras com o guarda-redes Branco, primeiro, a que se seguiram, algo mais tarde, o avançado Ricardo (de características mais de médio-avançado, embora jogando em todo o rinque) e o jovem guarda-redes José Castro. Transformando o panorama hoquístico com outro semblante, como ficou descrito num livro historiador do cenário desportivo local, do qual se junta extrato duma página:

= Excerto do livro “História lúdico-desportiva da Madeira”, publicado no Funchal em 1989, por Francisco Santos =

Quando o hoquista Ricardo veio para a cidade do Porto jogar hóquei no F C Porto, havia no futebol portista um outro Ricardo também. Por sinal um jovem em que se depositavam esperanças num futuro risonho no campo do futebol, com reconhecida habilidade, mas sem a acutilância que se desejava do alto das bancadas, aos olhos dos espetadores apoiantes do clube perante esse João Ricardo. Enquanto o hoquista começou a ser deveras apreciado. Pois logo que o José Ricardo passou a evoluir em rinque e se notou que fazia bem dupla com Cristiano Pereira, ficou a ser personagem grato, nome de agrado no mundo azul e branco da Constituição e das Antas (porque o hóquei em patins ainda se jogava no rinque do antigo campo da Constituição e o clube se solidificava em torno do estádio das Antas). Então, quando se falava em Ricardo era ao do hóquei que se associava mentalmente de imediato.

= Aspeto panorâmico do Campo da Constituição, com vista sobre o antigo rinque de patinagem, onde também se desenrolavam jogos das equipas do F C Porto, ainda naquele tempo - estando, na ocasião da fotografia, a decorrer um treino de hóquei em patins. =

Ora, Ricardo também quando rumou ao Porto, junto com o conterrâneo Castro, guarda-redes ainda com idade de júnior mas que veio para completar a equipa sénior portista, encontrou na Invicta portanto o guarda-redes Branco, conhecido da mesma ilha, que era então o titular do F C Porto (depois de Moreira ter findado a carreira). Aí, apesar de ter outra simpatia clubista, além do clube Maritimista onde se formou, também pelo clube de Lisboa que representou de passagem, Ricardo foi-se afeiçoando ao clube nortenho que passou a representar e inclusive ganhou fortes raízes na cidade do Porto. Tanto que se encantou na atmosfera do mundo portista e começou a namorar uma jovem que deslizava nas águas de competição do mesmo clube azul e branco, vindo a casar com essa mesma nadadora, Francelina Valadares, que era, ao tempo, a mais destacada representante feminina dos “golfinhos do Porto”. Uma atleta do F C Porto conhecida nesses tempos e praticamente das mais referenciadas no âmbito da atividade amadora das Antas, como figura da natação portista, a par com Fátima Pinto e Isolina Pinhel no atletismo (como o autor destas linhas se recorda bem de ver serem referenciadas no jornal O Porto, órgão que divulgava o ecletismo do clube, acompanhado pelo Norte Desportivo, visto os jornais de Lisboa serem sectários na direção sul). Casou então em Lisboa, em Novembro de 1970, com Francelina Valadares. Deste seu casamento resultou ter natural descendência, continuando seu nome no orgulho dos filhos, Mafalda Filipa e Ricardo Sousa. Voltou a casar em Março de 1987.

De seu nome completo José Ricardo Meneses Alves e Sousa, o Ricardo do hóquei do Porto nasceu na ilha da Madeira a 6 de Março de 1942. Começou a jogar no Clube Sport Marítimo, em 1960, ao pegar num stique e jogar sobre patins, tendo logo chamado as atenções, revelando-se um hoquista de elevado rendimento.

 = Equipa do F C Porto de 1968. Em pose aquando da vinda de Ricardo e Castro para o F C Porto. Reportando-se à formação que jogou em digressão à Madeira, efetuada após a respetiva transferência. Da esquerda para a direita, em cima: Alexandre Magalhães, Valentim, Leite e Hernâni; em baixo - Cristiano, Castro, Branco e Ricardo. =

Ao serviço do Marítimo foi várias vezes Campeão Regional, tendo-se sagrado Campeão Regional da Madeira em 1961/1962,1962/1963,1963/1964 e 1966/1967. Sendo que na época de interregno, em que não obteve esse título, foi por estar ausente no Continente, tendo inicialmente estado uma época em Lisboa a representar o Sporting, em 1964/65. Depois regressou à Madeira, entretanto. De permeio jogou na Seleção Regional da Madeira em 1967 e 1968. Continuando assim mais algum tempo no Marítimo, onde enfileirou oficialmente com alguns outros bons valores, entre os quais o jovem guarda-redes Castro, até que veio para o F C Porto, junto com esse amigo e colega mais novo, em 1968, ano em que o F C Porto venceu a Taça de Portugal de futebol.

Com o reforço dos referidos madeirenses, a completar o naipe existente, onde a experiência de Magalhães e Leite se aliava à juventude de Cristiano, goleador que começava a dar nas vistas e puxava mais entusiasmo, começaram a aparecer resultados animadores, nalguns casos surpreendendo equipas que estavam mal habituadas... Senão, repare-se:


Despontava assim mais a Norte a modalidade dos patins e stiques, trazendo também o hóquei uma era de revigoramento ao mundo azul e branco, qual andorinha a anunciar a Primavera com essa "ala dos namorados" que se movimentava em rinque com as cores do F C Porto.  

= Equipa da época da conquista do Campeonato Metropolitano, em 1969 =

Tendo então entrado no plantel sénior do hóquei do F. C. do Porto a partir de 1968, Ricardo foi Campeão Regional do Porto, na equipa do F C Porto que venceu o Campeonato Regional da Associação de Patinagem do Porto, em 1969/1970, 1971/1972, 1972/1973 e 1973/1974. Assim como conquistou o título de campeão do Campeonato Metropolitano em 1969, ano em que o clube foi vice-campeão nacional, como aliás voltou a ser algumas vezes mais. 

= Saudação entre equipas do clube, de homenagem da equipa de Voleibol à equipa de Hóquei, saudando os Campeões Metropolitanos de 1969. 

Entretanto Ricardo jogou pela Seleção do Porto, na equipa representativa da APP, em 1969. Além de haver chegado a ser convocado para a Seleção Nacional e ter participado nos treinos, selecionado que foi em 1968 para a Seleção Nacional que se estava a preparar para a disputa do Campeonato do Mundo, mas não chegou a ficar no lote que disputou a fase final, vítima da diferença de tratamento que então havia. Em tempos que dos hoquistas de clubes do Norte somente eram incluídos os chamados indiscutíveis, entre os melhores, quando unicamente iam à Seleção A da Federação, entre jogadores de campeonatos nortenhos, o Júlio Rendeiro, inicialmente do Infante de Sagres (e depois do Sporting), mais o Brito, episodicamente, após ter mudado do F C Porto para o Académico e só vários anos depois de ter regressado ao F C Porto, e por fim o Cristiano, do F C Porto, durante alguns anos o único representante do F C Porto na seleção principal. Algo somente mais tarde alterado, quando começaram a ser convocados outros, como Castro, Chalupa, os Vítores Hugo e Bruno, Vale, os António, Pedro e Paulo Alves, Carlos Realista, Domingos Guimarães e Carvalho, Franquelim, Filipe Santos, Tó Neves, Reinaldo Ventura, Nelson Filipe, Jorge Silva, etc. etc. até aos mais recentes Helder Nunes, Gonçalo Alves e Alvarinho.

= Foto da primeira eliminatória da estreia do F C Porto nas competições europeias de hóquei, em 1970, quando defrontou no Porto para a Taça dos Campeões Europeus a equipa alemã do Rollsport Reimscheid, com cujos oponentes os hoquistas do F C Porto posaram em conjunto. Tendo o F C Porto alinhado com o equipamento alternativo desse tempo e usado durante muitos anos, com camisola branca e calção azul. Identificando-se, a partir da esquerda e em cima, os portistas: Cristiano, Leite, Júlio, Ricardo e Fernandes; e em baixo, Castro, Hernâni e Brito.

Efetivamente, no caso da seleção representativa do hóquei português, Ricardo não chegou a ser escolhido por não jogar num clube da área da Associação de Lisboa e sobretudo por ser do Porto. Em parte acontecendo isso quando um selecionador desse tempo era um simpatizante do Sporting. Pessoa que enquanto selecionador da seleção júnior soube discernir bem, sem olhar a clubismos nem regionalismos, mas já como responsável da seleção sénior foi de visão parcial. (Recordo-me, narrando na primeira pessoa, de ter sido aflorado esse assunto duma vez em que, por amável convite do sr. Sampaio Mota, decorria a Primavera de 1972, fui convidado a passar um fim de semana de acompanhamento ao hóquei portista. Tendo ido no autocarro pequeno do clube junto com a equipa principal para um importante jogo em Valongo. Fui então ciceroneado pelos amigos Jorge Câmara e irmãos Barbots durante a tarde e à noite, na ida para o jogo de Valongo, o Ricardo foi propositadamente no autocarro, quando alguns foram em carros particulares, e sentou-se à minha beira, para conversarmos. Numa cavaqueira inesquecível que deu para eu ter ficado mais por dentro do mundo do hóquei. Nunca mais esquecendo como ele me contou que sem ter vindo para o Porto como adepto do clube, cada vez simpatizava mais com a causa portista ao conhecer apoiantes como este seu amigo…)

= Recorte d’ O Porto, edição de 25 Maio de 1972, com caixa referente a acontecimento do dia 21 anterior… =

A visibilidade deveras apreciada da presença de um bom número de madeirenses no hóquei da cidade do Porto teve, de permeio, direito a uma entrevista jornalística aos quatro "mosqueteiros" que se fixaram na Invicta - como se pode ver por recortes dessa reportagem que teve lugar no antigo jornal O Comércio do Porto (com Ricardo, Castro e Jorge, já do  plantel senior do F C Porto; e Branco, que anos antes se mudara para o Académico):


Ricardo manteve-se no F C Porto até 1974, abandonando depois a atividade desportiva, em consequência de um acidente de viação.

= Esquadrão do F C Porto em 1972 / 73, estando Ricardo em cima, à direita, junto com (a partir da esquerda) Cristiano, António Júlio e Joaquim Leite; e (em baixo) Augusto, Domingos Ferreira, João Brito e Jorge Câmara.

Aquando da sua retirada, na admiração nutrida e simpatia que havia pela sua carreira ao serviço do F C Porto, o autor destas linhas dedicou ao hoquista Ricardo uma boa parte dum artigo escrito no jornal O Porto, órgão informativo oficial do clube, onde começávamos então a colaboração publicista que se manteve durante alguns anos. Desse texto juntamos aqui a respetiva coluna, em homenagem perene a esse grande jogador de hóquei em patins madeirense que deixou seu nome ligado ao hóquei do F C Porto, ficando nos anais do hóquei patinado nacional.

= In jornal “O Porto” de 19/12/1974

Ricardo, estrela que brilhou no universo do hóquei em patins, desapareceu cedo do mundo, falecido com 61 anos a 20 de Outubro de 2003, deixando um rasto cintilante na sua vida como homem e desportista.

ARMANDO PINTO

((( Clicar sobre as imagens e recortes digitalizados, para ampliar )))

* Obs.: Imagens de arquivo pessoal do autor e outras dos arquivos dos antigos hoquistas José Castro e Jorge Câmara.

4 comentários:

  1. Excelente página. Mais: EXCEPCIONAL...

    A rever e até... copiar.

    Mas que não nos distraia do verdadeiro pânico em que(clubisticamente falando) nos encontramos.

    Apelamos à sua coragem para que desmarcare os oportunistas que andam a sugar o nosso Clube quer sejam pais, quer sejam filhos de pais...

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  2. Grande texto, grande homenagem. Dá para nos lembrarmos de nomes que já estavam quase esquecidos, de não ouvirmos falar e ler. Sermos Porto é isto.
    Ao ler-se este post até parece que o Armando Pinto é da Madeira, olhando para a margem do blog vemos que é "de fora da cidade do Porto, do interior do distrito do Porto". Bem haja o Porto.

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  3. Foi meu colega no Banco Pinto de Magalhães. Gente boa!

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  4. Foi um grande desportista e foi um grande amigo !!!! Nunca me esqueço dele nem nunca o esquecerei !!! Tenho muita saudade. ATÉ SEMPRE RICARDO

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