segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Tempos passados… de idealismo azul e branco.


Ai, como eu queria?!

…Como desejava tanto… o que mais queria. Pois era, ao ouvir o desfecho do "Marcelino Pão e Vinho", um filme antigo que minha avó me narrava em forma de conto, era eu ainda criança de tenra idade, como ficava a imaginar que me havia de calhar bem se pudesse escolher assim um desejo…


Dou então comigo, agora, a rever ténues imagens que ainda afloram à retina da memória. Porque há sempre ocasião em que se nos deparam memorietas das que ficaram mais impregnadas no disco rígido de nosso cérebro.

= Um F C Porto-Benfica, de inícios dos anos sessentas… =

Volte-se atrás, numa máquina do tempo, a tempos que há muito já lá vão… como que fazendo a ligação aos de agora. Não sendo novidade nenhuma aquele penalty inventado, há poucas jornadas atrás, ainda, no Estoril, sendo como foi, fora da área… Apenas que ultimamente o descaramento já não era tanto como antes. Mas ainda estão de fresca memória alguns outros desaforos, como aquela tristemente célebre arbitragem do Paixão que, num dos anos da década de noventa, nos roubou um campeonato em Campo Maior, metendo uma série de agressões que passaram impunes e vários agarrões dentro da área sobre o Jardel… tal como uns anos antes, em 1978/79 Marques Pires, da Associação de Setúbal, num Sporting-F C Porto, marcou a 15 minutos do final um penalty numa pretensa falta de Lima Pereira, em jogada desenrolada fora da grande área coisa duns três metros; só que o guarda-redes Torres defendeu o penalty chutado por Manuel Fernandes, e, assim, manteve o nulo no resultado que, no fim das contas, não impediu o F C Porto de vencer justamente esse campeonato, com um ponto de avanço…


…Num desenlace diferente do que ocorrera na finalíssima da Taça de Portugal da época anterior, ganha pelo Sporting através do árbitro Mário Luís, de Santarém, que no dia seguinte foi incluído na comitiva leonina que foi em digressão à China…


E assim sucessivamente (andando para trás, a rebobinar no sentido de marcha-atrás) num rosário de vicissitudes, até se recuar aos anos sessentas, como «em 1967/68, numa das vezes em que esteve, de novo, o F C Porto “ombro a ombro” com o Benfica para a conquista do campeonato. Então, eis que, também aí, em jogo decisivo para as contas finais, embora ainda no decurso de Janeiro de 1968, o embate na Luz se saldou com um novo “roubo de igreja”. Pormenorizando: O Benfica fez 2-0 com um golo de Eusébio (logo no início, num penalty duvidoso, por pretensa mão de Rolando) e outro de Torres; o FC Porto empatou depois, através de dois golos de Valdir; e, fez ainda um 3º golo, por Manuel António, limpíssimo, com o peito, em cima da linha de golo, mas que o árbitro Porfírio Silva invalidou de forma incompreensível. De seguida Torres fez o 3º golo do Benfica, que venceria dessa forma o jogo por 3-2, e, praticamente o… campeonato.»

= Um encontro entre o F C Porto e Benfica, com Américo a blocar o esférico por entre um aglomerado de jogadores, antecipando-se a Torres e Eusébio, na presença expetante de Atraca e Rolando =

De permeio passaram-se anos da música dos anos de sessenta, daquela que me entrava no ouvido quase ainda sem entender nada das letras, mas gostando da musicalidade que ouvia nos rádios e nos gira-discos de jovens do tempo dos meus irmãos mais velhos. Cantigas ouvidas entre 1964 e 1965, mais ou menos, que eram mesmo de encantar e ainda hoje dão certa impressão de vivermos o que não vivemos, na prática. Sem fados e guitarradas, que foi coisa que nunca apreciamos, talvez por ser deveras de garganta empinada. Metendo a tal música yé yé, como se dizia. E que era um regalo naquelas sonoridades, na voz duma  Sylvie Vartan, com La Plus Belle… de France Gall, com  Poupée de cire, poupée de son… Francoise Hardy em Tous les garçons et les filles, mais, de forma diferente, em  Voilá… a brasileira Martinha, a sussurrar que (ela) Daria a minha vida… Gianni Morandi epicamente entoando In ginocchio da te… Bobby Solo a pôr-nos romanticamente pensativos com Una Lacrima Sul Viso… Gigliola Cinquetti a fazer-nos ver amigas e colegas como se nos dissessem Non ho l'età… e a imaginar como seria se fossemos o Cristophe, com Aline, e ainda também Les Marionetes... e outras que tais… apesar de nem termos jeito para cantorias. Num mundo que se nos ia deparando nas canções e artistas em voga, cujos títulos e nomes só de os lembrar faz vir à cabeça algumas cantigas que ainda trauteamos mentalmente. Do que ficou, pois dos sonhos de entusiasmo desportivo não havia nada para ninguém… dos nossos. O que fazia revoltar o puro sentimento que havia em nós.

= Pinto remata à baliza encarnada, perante o receio do defesa Cruz…=

Na época, continuando a recuar pelo tempo, o cinema musical de Espanha enchia corações e as atenções, outrotanto. Eram familiares  cenas em que o pequeno rouxinol Joselito cantava a Campanera, como se via nas telas de cinema que passava aqui pela Longra, também. E, retornando às recordações de infância, apareciam as ternas imagens do pequenito Marcelino a rezar na ternura da sua jovialidade infantil… 

E foi assim que ouvindo minha avó contar a história do Marcelino Pão e Vinho me pus a divagar…Enquanto o entusiasta Portista continuava a ver e sentir tudo o que ia acontecendo, a favor do clube protegido do regime e do seu vizinho mais próximo, em desfavor do F C Porto…

Era… foi assim que, também com outro Silva, mas com os mesmos espinhos, uns anos antes, perpetrou um outro «autêntico “roubo” a prejudicar o F C Porto, num célebre jogo com o Benfica, dessa vez no Estádio das Antas: na temporada de 1962/63, concretamente a 24 de Fevereiro de 1963.O FC Porto da época, superiormente orientado pelo húngaro Jorge Orth, que faleceria poucas semanas depois (como aqui recordamos em anterior artigo), disputava o título a par com o Benfica, até que veio esse jogo com carácter decisivo. O Benfica fez 1-0 por Simões, o F C Porto empatou por Azumir, seguindo-se posteriormente um lance que deixou as bancadas em polvorosa e toda a gente atónita e revoltada: numa pacífica disputa de bola, a cerca de um a dois metros fora da grande área, o Torres, em disputa com o corretíssimo Miguel Arcanjo, cai… e o árbitro, Reinaldo Silva, da jurisdição de Leiria, para espanto de toda a gente apontou para a marca de grande penalidade, marcando penalty contra o FC Porto, que depois foi convertido por Eusébio. E, assim, o Benfica ganharia por 2-1, passando a liderar esse campeonato, que… “conquistaria”».

= Azumir =

Recordo-me de, nesse tempo, se ter falado que o árbitro leiriense foi conotado com uma oferta choruda do presidente benfiquista, segundo se falou um automóvel dado por Vieira de Brito, e de os diretores do F C Porto bem terem tentado reclamar, nada conseguindo porém, a não ser terem sido entretanto confrontados com ameaças do regime vigente. Quase a papel químico com uma vergonhosa arbitragem de Rosa Nunes na final da Taça de Portugal de 1964, a pontos de, nesse jogo do Jamor, ter começado cedo a apitar contra os homens do Norte, quando o F C Porto fazia pressão inicial sobre o Benfica… tendo depois expulsado Jaime, sem nada de mais (a não ser por ter reclamado na marcação dum, mais um, penalty inexistente)… e depois foi todo um somar de asneiras, num chorrilho de habilidades, que fez o resultado tomar proporções escandalosas, à vista desarmada… O que só se compreendeu dias depois, quando se viu esse árbitro numa cerimónia oficial do clube da Luz… e levou Otto Glória, nesse tempo treinador no Porto, a afirmar: «O árbitro anulou todo o esforço duma região…»!


Essas peripécias caíram mal na cabeça do jovem ouvinte dos contos descritos pela minha avozinha, já naqueles tempos. A minha avó que, paralisada como estava, passando os dias no leito de sofrimento resignado, me contava longas e ternas histórias, levando a que eu passasse horas a fio sentado à sua beira, ao lado de sua cama, a ouvi-la e a começar a interessar-me por tudo o que fosse histórias e memórias. Desde a Carochinha, à bruxa cavalona, e não sei quantas lendas e contos, ela me descrevia com todos os pormenores. Até à história do tal filme do Marcelino Pão e Vinho. Filme dos inícios dos anos cinquenta, conforme muito mais tarde me apercebi, que, assim sendo, ela não viu, pois ficou retida na cama, em paralisia do corpo, precisamente por essa altura… mas deve ter ouvido contar, por sua vez, talvez no rádio que tinha na mesinha de cabeceira, e depois sabia expor com encantamento descritivo. A pontos que parecia que eu ouvia ranger as tábuas da escada carunchenta, enquanto Marcelino subia para o sótão…


Marcelino fora posto bebé à porta dum convento e foi criado pelos frades daquele cenóbio algures dos confins duma região rural. Tendo sido muito bem cuidado pelos monges, tornando-se o centro da vida conventual, familiarizado com seus protetores, os quais carinhosamente tratava pelos nomes das funções com que o velaram. A um, por exemplo, chamava-o de frei papinha, ao que sempre lhe dava de comer, e por aí adiante. Apesar dessa convivência, ele sentia falta de ter uma mãe. Um dia encontrou um amigo especial no sótão proibido... que mais não era que uma imagem de Cristo crucificado, com quem ele, na sua inocência pueril, conversava; e vendo-o naquele estado lhe passou a levar de comer, com pão e vinho que, sorrateiramente, ia buscar à cozinha, sem os seus amigos frades desconfiarem. Até que se deu o prodígio de Cristo lhe ter perguntado o que queria que lhe desse, em recompensa de sua bondade, e, como ele confidenciou que o que mais gostava era poder ver sua mãe, foi enfim levado a vê-la… dando-se um milagre, depois presenciado pelos frades que o viram inerte, junto à cruz, de onde partira pela mão de Cristo…

= Não se trata de tempos das balizas às costas, mas duma sessão de trabalho empenhado do plantel, com o guarda-redes Armando a empunhar uma barreira de atletismo para servir de suporte à parte física do grupo, no tempo do treinador brasileiro Paulo Amaral, que o segue à saída das escadas de acesso ao relvado. =

Ora, naquele tempo, eu, o pequeno ouvinte desse maravilhoso encantamento que ia escutando de minha avozinha, tinha mãe (eu tinha a minha mãe), felizmente; e nem me passava pela cabeça, ainda, sequer o que era isso de ser órfão. Não teria também ainda grande noção de outras coisas da vida, tudo me parecia normal, a não ser… o Porto não poder vencer, como merecia e devia. E pensei (para comigo, como numa prece): - Se Cristo me perguntasse, a mim, o que mais queria… eu, sem pestanejar, queria que o meu Porto fosse campeão, que ganhasse tudo e derrotasse aqueles malvados lá de baixo que só ganhavam com “comilice” e "falcatruas"… de árbitros e mandões….!


Era o que me vinha então à cabeça. O que mais queria poder ter.

Demorou anos, muitos anos, mas (até que enfim!) veio tempo em que o F C Porto, o meu Porto, passou a vencer mais que todos os outros... embora continuem a haver jogadas de bastidores e artimanhas de bafientos agentes do regime - contudo mais combatidas e eles denunciados, com os meios atuais da globalidade existente.

...Ai, como eu queria?!  E como ainda quero… sempre, mais!!!


Armando Pinto
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4 comentários:

  1. Boa noite Sr.Armando Esses tempos jamais podemos esqueçer, de tantos roubos de igreja e de penáltis inventados, que não podem jamais em algum tempo ser esqueçidos. É bomrever esses momentos aqui no seu blog, que a cada dia que passa cada vez está mais exelente, que só o Sr. Armando sabe fazer e publicar factos históricos do nosso clube. Um bem-haja Sr.Armando, grande abraço.

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  2. Crónica que muito bem ficava em livros ou revistas de qualquer coisa social e factos do Porto e Desporto. Gostei de lembrar cantigas e cançonetistas de tempos de nossa juventude. Do filme não me lembrava, mas contado e misturadas as histórias faz arrepiar. Bem haja.

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  3. Alvarinho Fcportocaracas Moreira

    O trabalho do amigo ARMANDO PINTO e o seu blogue http://memoriaporto.blogspot.pt/...é sem duvida um trabalho mágnifico,um hino ao idealismo portista e um apelo constante ás recordaçoes de um passado longinquo ou cercano que nos ensina a sentir a evoluçao e crescimento de um sentimento, um desejo infinito de vitoria, a concretizaçao de sonhos que em determinados momentos pareciam impossiveis, a realidade das dificuldades, do sofrimento, DA SUPERAÇAO DE OBSTÁCULOS ENORMES,do sangue, suor e lágrimas estampados numa gloriosa camisola azul e branca, que sem lavar ficará para sempre na memoria dos que já deus levou, dos que vivem e dos que virao, porque a história, as façanhas impossiveis, os golos inacreditaveis, que terminaram em logros em trofeus maravilhosos e maravilhados, numa vitrina ou num sotao.á vista dos nossos olhos ou na memoria de poucos ou de muitos, nao morrem, vivem hoje, ámanha e sempre, por sempre, sao a alegria, a felicidade, a vitória,sao a recompensa, SAO A VIDA MESMA, ao fim e ao cabo, um grito de revolta no meio do silencio de um povo,que apesar da sua humildade, da dignidade da sua pobreza, das dificuldades, das adversidades, é um povo que vestido de corpo e alma de azul e branco, se ergue e se levanta, que luta, conquista e vence, fazendo asim juz ao destino que deus nos deu, O NOSSO DESTINO É VENCER...É VENCER SEMPRE.VIVAO O FUTEBOL CLUBE DO PORTO, VIVA PORTUGAL.
    Recordar é viver, o fc porto é e será sempre uma liçao de vida, um exemplo a seguir, orgulho e glória de portugal.
    ARMANDO PINTO desde caracas, desde muito longe,com lágrimas nos olhos. MUITO OBRIGADO.

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  4. Belo texto.
    Realmente os dois da capital, mais um que o outro, acham-se grandes no futebol nacional, mas se não tivessem sido tão protegidos e beneficiados, coitados, já à muito que o F.C. Porto lhes tinha passado as favas.

    Abraço

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