Faleceu Gomes Amaro, o “Relatador Amaro do Quadrante Norte”,
como era mais conhecido. Célebre repórter radiofónico que levava na sua voz os
jogos do FC Porto a quem não podia estar onde jogasse a equipa portista. Porque
os seus relatos eram algo especial aos ouvidos e entusiasmavam em todos os
sentidos quem sentia o FC Porto.
A notícia de sua morte foi conhecida na tarde desta quinta-feira,
dia 23. Como logo foi difundida no Porto Canal, assim:
«Gomes Amaro, figura incontornável do relato radiofónico em
Portugal, morreu, esta quinta-feira, aos 85 anos.
O corpo de Gomes Amaro estará em câmara ardente na capela
mortuária da Igreja Matriz de Espinho, a partir das 15h desta sexta-feira. O
funeral realiza-se no sábado, às 12 h 15.
Gomes Amaro, jornalista que durante anos acompanhou o FC
Porto em Portugal e no estrangeiro, marcou uma era no relato radiofónico em
Portugal.
O antigo jornalista da rádio “Quadrante Norte” nasceu em
Portugal, mas antes de fazer 3 anos foi com os pais para o Brasil, onde viveu
30 anos.
Trabalhou como técnico de rádio e na TV Record desempenhou o
cargo de responsável pelo videotape da estação.
Durante a década de 70, regressou a Portugal e foi viver
para o Porto, período em que se notabilizou a relatar os jogos do FC Porto.
Durante este período, Gomes Amaro era mesmo o único jornalista que fazia os
relatos integrais dos jogos dos 'Dragões', sempre inseridos no programa
“Quadrante Norte”, tendo presenciado alguns dos momentos mais nobres da história
dos 'Azuis e brancos'.
Gomes Amaro esteve presente na noite de 27 de maio de 1987
em Viena, assistindo a “armada azul e branca” que venceu a antiga Taça dos
Campeões Europeus, noite inolvidável para o universo portista.
Numa nota de condolências emitida pelo FC Porto, os 'azuis e
brancos' endereçaram à família e aos amigos de Gomes Amaro as mais sentidas
condolências.»
Ora, Desidério Gomes Amaro, como era seu nome completo,
tornou-se famoso como a voz que marcou a rádio nacional durante longos anos.
Nascido em 1937, a 21 de maio, em Forno Telheiro, Celorico da Beira, no distrito da Guarda, teve
uma interessante história de vida, desde a sua ida para o Brasil, país que o
acolheu em pequeno e em adulto trabalhava num grande grupo de comunicação
social, ligado à TV Record, passando pelo seu regresso a Portugal e
casamento com uma conterrânea, até ao sucesso no Quadrante Norte com os relatos
de futebol, sobretudo de jogos da equipa principal do FC Porto. Enquanto adotou
Espinho como sua terra desde 1964.
Desaparecido agora da vida terrestre, Gomes Amaro permanece
como uma das mais reconhecidas vozes da rádio nacional, embora tenha faltado
algum reconhecimento oficial por quanto ele representou.
Contou ele há uns anos ao jornal "Defesa de Espinho":
«Eu e a minha
mulher somos da mesma aldeia. A minha mulher e a minha cunhada eram professoras
em Espinho. Numa das minhas vindas a Portugal, passar umas férias,
conhecemo-nos, casámos e vim para cá. Nessa altura nem sequer pensava em rádio,
embora trabalhasse num grande grupo de comunicação social, no Brasil, ligado à
TV Record.
Tenho dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, por
muito respeito que tenho pelo país que me recebeu. Emigramos para o Brasil. O
meu pai tinha a terceira classe e a minha mãe a quarta classe. O meu pai era um
trabalhador braçal e a minha mãe era uma costureira de mão-cheia. Lembro-me,
que, em criança, acordava a altas horas da noite e via a minha mãe debruçada
sobre a costura e o meu pai a entregar pão. Foi uma vida muito difícil. No
entanto, o seu esforço foi compensado e, felizmente deram-me tudo.
Terminei o curso de eletrónica e entrei para um grupo de
comunicação social que tinha três rádios e uma estação de televisão, Rede
Record.
Como aparece a rádio na sua vida?
Confesso que nunca pensei em passar para o lado dos
microfones! Sempre estive do outro lado, na parte técnica. Foi então que
conheci um locutor de futebol que era de descendência luso-brasileira que tinha
um tempo de antena na onda curta da antiga Emissora Nacional (atual RDP) e na
Rádio América, em São Paulo, com um programa dedicado à comunidade portuguesa.
Falava de resultados do campeonato português e de muitas curiosidades do nosso
país.
Numa digressão que o Sporting foi fazer ao Brasil e a RTP
estava no início, foi lá o Artur Agostinho. Naquela altura, a conversão de
sistemas de vídeo tinha de ser feita e, por isso, a RTP pediu apoio à televisão
onde eu trabalhava, pois tinham de enviar os trabalhos para Portugal pelo avião
da TAP. Como eu era português, a Record quis que acompanhasse a RTP. Fui num
carro de exteriores, com duas câmaras. Propuseram-me que viesse para Portugal
trabalhar. Vim no ‘canto das sereias’ e, passados dois meses já não me
conheciam. Foi nessa altura que fiquei em Portugal uns tempos, casei e voltei
ao Brasil.
Nessa altura, esse locutor português no Brasil convenceu-me
a participar nesse programa, dando os resultados do campeonato português e
explicar onde ficavam as terras no nosso país. Acabou por me lançar o desafio
de vir para Portugal e transmitir os jogos para o Brasil. Nunca tinha feito um
relato de um jogo de futebol, pois limitava-me a dar informações. Pedi
autorização ao meu chefe na Rede Record e ele não me quis deixar sair. Mesmo
assim, decidi partir à aventura. Vim fazer o relato de um FC Porto-Sporting, ao
antigo Estádio das Antas.
Nessa altura, os Parodiantes de Lisboa tentaram reunir os
clubes e pagar-lhes para terem a exclusividade das transmissões desportivas.
Nem a rádio pública pagava e não foram todos os clubes que concordaram e um
desses foi o FC Porto. Por isso, transmiti esse jogo para o Brasil.
Na cabina ao meu lado estava o Quadrante Norte. Durante a
primeira parte apareceu-me um senhor, com um microfone. Era o Ilídio Inácio. Eu
lá disse umas coisas para o Quadrante Norte.
No final desse jogo, o Ilídio Inácio voltou à minha cabina,
estivemos a conversar e, no fim, deu-me um cartão seu. Nesse dia regressei a
Lisboa. Vivia no mesmo prédio do Eusébio.
Mais tarde, como o locutor do Brasil, que me contratara, se
atrasava no pagamento, falei com a minha mulher e decidimos voltar para o
Brasil. No entanto, quando estava a arrumar as coisas para partir, deparei com
o cartão do Ilídio Inácio. Escrevi meia-dúzia de linhas e enviei-lhe. Estava já
na minha aldeia, na Guarda e para minha surpresa ele respondeu-me. Ele dizia
que se lembrava do caso mas que não se lembrava da pessoa. Disponibilizou-me
bilhetes de comboio e entrada no jogo nas Antas. Vim para fazer cinco minutos,
pois quem relatava o jogo era o Luís César, que veio a ser secretário técnico
do FC Porto. Acabei por fazer o relato de todo o jogo! No final, o Ilídio
Inácio perguntou quanto é que eu queria ganhar para lá ficar a trabalhar.
Respondi com um número que, para mim, na altura, era muito bom. Para minha
surpresa ele aceitou! Foi assim que começou a minha aventura. Vim morar para
Espinho, pois a minha mulher dava aulas aqui e nunca mais saí de cá.
Um dos seus grandes períodos foi no Quadrante Norte. Fala-me
dessa experiência.
Naquele tempo não havia rádios locais. O Quadrante Norte era
o único que tinha microfones de longo alcance. Hoje todas as rádios utilizam
efeitos nas transmissões e sinalizam tempos, etc.. O Quadrante Norte foi
pioneiro. Na altura havia quem não gostasse dessas coisas, mas atualmente todos
fazem. O Quadrante Norte foi um sucesso bem acima daquilo que eu próprio
esperava. Um dia, num jogo nas Antas, tirei os auscultadores e continuava a
ouvir a minha voz no estádio inteiro! Isto é algo fantástico! Todos levavam o
rádio para o estádio, até para saberem os resultados dos restantes jogos. Foi
uma experiência única na minha vida.
(…) Grande parte do tempo em que fez relatos ocupou-o com o FC
Porto…
Todos os meios de comunicação social têm uma orientação e
procuram a maior audiência possível. No Norte jogavam o Boavista, FC Porto,
Salgueiros, o Leixões, etc.. Contudo, a maioria dos ouvintes do Quadrante Norte
era do FC Porto, pois as rádios de Lisboa só transmitiam de vez em quando! O
Quadrante Norte fixou-se nestas equipas daqui, principalmente no FC Porto. Onde
jogasse esta equipa, os ouvintes sabiam que iria haver relato desse jogo. Por
isso, aquela estação de rádio tinha um elevadíssimo número de ouvintes.
(…) Quando fazia o relato de um jogo abstraía-me de tudo.
Procurava transmitir, apenas, aquilo que se passava no jogo e à minha volta,
dentro do estádio. Para mim, no relato, limitava-me a ouvir a minha voz e a dos
meus companheiros. O que me interessava era aquilo que se passava dentro do
retângulo de jogo. Procurava ser o mais fiel possível àquilo que se passava em
campo. Não me importava o clube que jogava. Aquilo que queria era relatar,
lance por lance e não tomar parte de outras coisas.
Como o Quadrante Norte fazia 80 % dos jogos do FC Porto,
diziam que era portista! Posso viver com isso perfeitamente.
Quero dizer-lhe que o único clube que me mandou um ofício
(na altura estava na Rádio Renascença) a agradecer o meu relato e a forma
isenta como transmiti o jogo com o Dínamo de Zagreb, foi o Benfica. Nesse jogo
tive como companheiro, nos comentários, o Senhor do jornalismo, Carlos Pinhão.
Foi o Amaro que introduziu alguns termos nos relatos
desportivos em Portugal!…
É normal! Vivi desde criança no Brasil e ouvia os meus
companheiros, pois trabalhava numa empresa de rádios e de televisão. Por isso,
era impossível que não tivesse apanhado algumas expressões. Seria ridículo
tentar aportuguesar as palavras! Fazia-o de forma natural e não tenho culpa do
meu sotaque.»
Sotaque, diremos nós, que ajudou a dar mais impacto a tudo aquilo.
*****
Tendo então o trajeto radiofónico de Amaro em Portugal ficado
ligado ao FC Porto, ficou de tudo isso também como grande marca um disco
gravado, do género LP de vinil, “ F. C. DO PORTO CAMPEÃO” a contar “a História
de um Título”, com registos dos relatos e entrevistas das emissões do Quadrante
Norte dos Emissores Norte Reunidos, sobre o Campeonato Nacional de 1977/1978
ganho pelo FC Porto ao fim de longo jejum, naquele tempo. Disco que com muita
estima faz parte das boas coisas guardadas pelo autor deste blogue.
*****
Das expressões ouvidas ao Amaro, ficou celebrizado o brado “Vai
buscar, Tibi”, nos golos contra o FC Porto. Enquanto nos golos do FC Porto, a
favor claro, foi “… É Gôoool! E que gôooo..! Do Pooorto”… “E que lindo é, as
bandeiras tremulando, a torcida delirando, vendo a rede balançar”! “É gol!!!
Isso também, quanto ao Tibi... foi porque o Amaro quase só relatava jogos do FC Porto,
logo dos guarda-redes das outras equipas raramente eram relatados por ele os
golos sofridos por tantos outros. Mas curiosamente no tempo de Fonseca, Amaral, Zé
Beto, Mlynarczyk, não ficaram tão no ouvido os golos sofridos e como tal relatados,
talvez porque já havia maior habituação ao “vai buscár”, assim como "no bárbante”, “agora não
adianta chorár”, etc. Mas sempre ficando nas preferências quando era golo do "camisa nove Gômes" e sempre mais o "que bonito é"..!
Fica a eterna recordação.
Armando Pinto
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