quinta-feira, 23 de março de 2023

Faleceu o “Relatador Amaro do Quadrante Norte"!

Faleceu Gomes Amaro, o “Relatador Amaro do Quadrante Norte”, como era mais conhecido. Célebre repórter radiofónico que levava na sua voz os jogos do FC Porto a quem não podia estar onde jogasse a equipa portista. Porque os seus relatos eram algo especial aos ouvidos e entusiasmavam em todos os sentidos quem sentia o FC Porto.

A notícia de sua morte foi conhecida na tarde desta quinta-feira, dia 23. Como logo foi difundida no Porto Canal, assim:

«Gomes Amaro, figura incontornável do relato radiofónico em Portugal, morreu, esta quinta-feira, aos 85 anos.

O corpo de Gomes Amaro estará em câmara ardente na capela mortuária da Igreja Matriz de Espinho, a partir das 15h desta sexta-feira. O funeral realiza-se no sábado, às 12 h 15.

Gomes Amaro, jornalista que durante anos acompanhou o FC Porto em Portugal e no estrangeiro, marcou uma era no relato radiofónico em Portugal.

O antigo jornalista da rádio “Quadrante Norte” nasceu em Portugal, mas antes de fazer 3 anos foi com os pais para o Brasil, onde viveu 30 anos.

Trabalhou como técnico de rádio e na TV Record desempenhou o cargo de responsável pelo videotape da estação.

Durante a década de 70, regressou a Portugal e foi viver para o Porto, período em que se notabilizou a relatar os jogos do FC Porto. Durante este período, Gomes Amaro era mesmo o único jornalista que fazia os relatos integrais dos jogos dos 'Dragões', sempre inseridos no programa “Quadrante Norte”, tendo presenciado alguns dos momentos mais nobres da história dos 'Azuis e brancos'.

Gomes Amaro esteve presente na noite de 27 de maio de 1987 em Viena, assistindo a “armada azul e branca” que venceu a antiga Taça dos Campeões Europeus, noite inolvidável para o universo portista.

Numa nota de condolências emitida pelo FC Porto, os 'azuis e brancos' endereçaram à família e aos amigos de Gomes Amaro as mais sentidas condolências.»

Ora, Desidério Gomes Amaro, como era seu nome completo, tornou-se famoso como a voz que marcou a rádio nacional durante longos anos. Nascido em 1937, a 21 de maio, em Forno Telheiro, Celorico da Beira, no distrito da Guarda, teve uma interessante história de vida, desde a sua ida para o Brasil, país que o acolheu em pequeno e em adulto trabalhava num grande grupo de comunicação social, ligado à TV Record, passando pelo seu regresso a Portugal e casamento com uma conterrânea, até ao sucesso no Quadrante Norte com os relatos de futebol, sobretudo de jogos da equipa principal do FC Porto. Enquanto adotou Espinho como sua terra desde 1964.

Desaparecido agora da vida terrestre, Gomes Amaro permanece como uma das mais reconhecidas vozes da rádio nacional, embora tenha faltado algum reconhecimento oficial por quanto ele representou.

Contou ele há uns anos ao jornal "Defesa de Espinho": 

«Eu e a minha mulher somos da mesma aldeia. A minha mulher e a minha cunhada eram professoras em Espinho. Numa das minhas vindas a Portugal, passar umas férias, conhecemo-nos, casámos e vim para cá. Nessa altura nem sequer pensava em rádio, embora trabalhasse num grande grupo de comunicação social, no Brasil, ligado à TV Record.

Tenho dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, por muito respeito que tenho pelo país que me recebeu. Emigramos para o Brasil. O meu pai tinha a terceira classe e a minha mãe a quarta classe. O meu pai era um trabalhador braçal e a minha mãe era uma costureira de mão-cheia. Lembro-me, que, em criança, acordava a altas horas da noite e via a minha mãe debruçada sobre a costura e o meu pai a entregar pão. Foi uma vida muito difícil. No entanto, o seu esforço foi compensado e, felizmente deram-me tudo.

Terminei o curso de eletrónica e entrei para um grupo de comunicação social que tinha três rádios e uma estação de televisão, Rede Record.

Como aparece a rádio na sua vida?

Confesso que nunca pensei em passar para o lado dos microfones! Sempre estive do outro lado, na parte técnica. Foi então que conheci um locutor de futebol que era de descendência luso-brasileira que tinha um tempo de antena na onda curta da antiga Emissora Nacional (atual RDP) e na Rádio América, em São Paulo, com um programa dedicado à comunidade portuguesa. Falava de resultados do campeonato português e de muitas curiosidades do nosso país.

Numa digressão que o Sporting foi fazer ao Brasil e a RTP estava no início, foi lá o Artur Agostinho. Naquela altura, a conversão de sistemas de vídeo tinha de ser feita e, por isso, a RTP pediu apoio à televisão onde eu trabalhava, pois tinham de enviar os trabalhos para Portugal pelo avião da TAP. Como eu era português, a Record quis que acompanhasse a RTP. Fui num carro de exteriores, com duas câmaras. Propuseram-me que viesse para Portugal trabalhar. Vim no ‘canto das sereias’ e, passados dois meses já não me conheciam. Foi nessa altura que fiquei em Portugal uns tempos, casei e voltei ao Brasil.

Nessa altura, esse locutor português no Brasil convenceu-me a participar nesse programa, dando os resultados do campeonato português e explicar onde ficavam as terras no nosso país. Acabou por me lançar o desafio de vir para Portugal e transmitir os jogos para o Brasil. Nunca tinha feito um relato de um jogo de futebol, pois limitava-me a dar informações. Pedi autorização ao meu chefe na Rede Record e ele não me quis deixar sair. Mesmo assim, decidi partir à aventura. Vim fazer o relato de um FC Porto-Sporting, ao antigo Estádio das Antas.

Nessa altura, os Parodiantes de Lisboa tentaram reunir os clubes e pagar-lhes para terem a exclusividade das transmissões desportivas. Nem a rádio pública pagava e não foram todos os clubes que concordaram e um desses foi o FC Porto. Por isso, transmiti esse jogo para o Brasil.

Na cabina ao meu lado estava o Quadrante Norte. Durante a primeira parte apareceu-me um senhor, com um microfone. Era o Ilídio Inácio. Eu lá disse umas coisas para o Quadrante Norte.

No final desse jogo, o Ilídio Inácio voltou à minha cabina, estivemos a conversar e, no fim, deu-me um cartão seu. Nesse dia regressei a Lisboa. Vivia no mesmo prédio do Eusébio.

Mais tarde, como o locutor do Brasil, que me contratara, se atrasava no pagamento, falei com a minha mulher e decidimos voltar para o Brasil. No entanto, quando estava a arrumar as coisas para partir, deparei com o cartão do Ilídio Inácio. Escrevi meia-dúzia de linhas e enviei-lhe. Estava já na minha aldeia, na Guarda e para minha surpresa ele respondeu-me. Ele dizia que se lembrava do caso mas que não se lembrava da pessoa. Disponibilizou-me bilhetes de comboio e entrada no jogo nas Antas. Vim para fazer cinco minutos, pois quem relatava o jogo era o Luís César, que veio a ser secretário técnico do FC Porto. Acabei por fazer o relato de todo o jogo! No final, o Ilídio Inácio perguntou quanto é que eu queria ganhar para lá ficar a trabalhar. Respondi com um número que, para mim, na altura, era muito bom. Para minha surpresa ele aceitou! Foi assim que começou a minha aventura. Vim morar para Espinho, pois a minha mulher dava aulas aqui e nunca mais saí de cá.

Um dos seus grandes períodos foi no Quadrante Norte. Fala-me dessa experiência.

Naquele tempo não havia rádios locais. O Quadrante Norte era o único que tinha microfones de longo alcance. Hoje todas as rádios utilizam efeitos nas transmissões e sinalizam tempos, etc.. O Quadrante Norte foi pioneiro. Na altura havia quem não gostasse dessas coisas, mas atualmente todos fazem. O Quadrante Norte foi um sucesso bem acima daquilo que eu próprio esperava. Um dia, num jogo nas Antas, tirei os auscultadores e continuava a ouvir a minha voz no estádio inteiro! Isto é algo fantástico! Todos levavam o rádio para o estádio, até para saberem os resultados dos restantes jogos. Foi uma experiência única na minha vida.

(…) Grande parte do tempo em que fez relatos ocupou-o com o FC Porto…

Todos os meios de comunicação social têm uma orientação e procuram a maior audiência possível. No Norte jogavam o Boavista, FC Porto, Salgueiros, o Leixões, etc.. Contudo, a maioria dos ouvintes do Quadrante Norte era do FC Porto, pois as rádios de Lisboa só transmitiam de vez em quando! O Quadrante Norte fixou-se nestas equipas daqui, principalmente no FC Porto. Onde jogasse esta equipa, os ouvintes sabiam que iria haver relato desse jogo. Por isso, aquela estação de rádio tinha um elevadíssimo número de ouvintes.

(…) Quando fazia o relato de um jogo abstraía-me de tudo. Procurava transmitir, apenas, aquilo que se passava no jogo e à minha volta, dentro do estádio. Para mim, no relato, limitava-me a ouvir a minha voz e a dos meus companheiros. O que me interessava era aquilo que se passava dentro do retângulo de jogo. Procurava ser o mais fiel possível àquilo que se passava em campo. Não me importava o clube que jogava. Aquilo que queria era relatar, lance por lance e não tomar parte de outras coisas.

Como o Quadrante Norte fazia 80 % dos jogos do FC Porto, diziam que era portista! Posso viver com isso perfeitamente.

Quero dizer-lhe que o único clube que me mandou um ofício (na altura estava na Rádio Renascença) a agradecer o meu relato e a forma isenta como transmiti o jogo com o Dínamo de Zagreb, foi o Benfica. Nesse jogo tive como companheiro, nos comentários, o Senhor do jornalismo, Carlos Pinhão.

Foi o Amaro que introduziu alguns termos nos relatos desportivos em Portugal!…

É normal! Vivi desde criança no Brasil e ouvia os meus companheiros, pois trabalhava numa empresa de rádios e de televisão. Por isso, era impossível que não tivesse apanhado algumas expressões. Seria ridículo tentar aportuguesar as palavras! Fazia-o de forma natural e não tenho culpa do meu sotaque.» 

Sotaque, diremos nós, que ajudou a dar mais impacto a tudo aquilo.

*****

Tendo então o trajeto radiofónico de Amaro em Portugal ficado ligado ao FC Porto, ficou de tudo isso também como grande marca um disco gravado, do género LP de vinil, “ F. C. DO PORTO CAMPEÃO” a contar “a História de um Título”, com registos dos relatos e entrevistas das emissões do Quadrante Norte dos Emissores Norte Reunidos, sobre o Campeonato Nacional de 1977/1978 ganho pelo FC Porto ao fim de longo jejum, naquele tempo. Disco que com muita estima faz parte das boas coisas guardadas pelo autor deste blogue.


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Das expressões ouvidas ao Amaro, ficou celebrizado o brado “Vai buscar, Tibi”, nos golos contra o FC Porto. Enquanto nos golos do FC Porto, a favor claro, foi “… É Gôoool! E que gôooo..! Do Pooorto”… “E que lindo é, as bandeiras tremulando, a torcida delirando, vendo a rede balançar”! “É gol!!!

Isso também, quanto ao Tibi... foi porque o Amaro  quase só relatava jogos do FC Porto, logo dos guarda-redes das outras equipas raramente eram relatados por ele os golos sofridos por tantos outros. Mas curiosamente no tempo de Fonseca, Amaral, Zé Beto, Mlynarczyk, não ficaram tão no ouvido os golos sofridos e como tal relatados, talvez porque já havia maior habituação ao “vai buscár”, assim como "no bárbante”, “agora não adianta chorár”, etc. Mas sempre ficando nas preferências quando era golo do "camisa nove Gômes" e sempre mais o "que bonito é"..!

Fica a eterna recordação. 

Armando Pinto

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