quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Recordando... Julio Pereyra: um Argentino que vestiu a camisola do FC Porto em 1948/49

Corriam tempos de transição das épocas vitoriosas nas décadas anteriores, sem que nos anos 40 o FC Porto conseguisse no futebol que as camisolas azuis e brancas chegassem no fim dos campeonatos a sentir o odor da conquista do título nacional. Sendo nesse ambiente que em fins dessa década foram chegando ao FC Porto alguns estrangeiros, vindos do outro lado do Atlântico, para reforçarem a equipa, como foram os casos de Pereyra, Fandiño e outros. Sendo o caso de Julio Pereyra um caso à parte, passado com esse Argentino que veio do Brasil, onde jogara entretanto, por ter chegado ainda a jogar com a camisola azul e branca mas não ter podido assinar contrato e como tal não ter jogado oficialmente pelo FC Porto, devido a lesão que se intrometeu. Havendo contudo estado então vinculado ao F C Porto na época 1948/49.

Ora estando presente a vinda de diversos Argentinos para o FC Porto em tempos recentes e na calha dessa boa onda ter havido oportunidade de recordar a ilustre galeria de jogadores do país da nação azul celeste, vem a propósito evocar o caso de Julio Oscar Pereyra, homem do futebol com esse nome assim escrito, em conformidade ao registo de sua naturalidade.  

Com efeito, Julio Pereyra jogou pelo FC Porto, mas só em jogos particulares. Porque num dos primeiros jogos que chegou a fazer em Portugal, pelo FC Porto, num encontro contra o Beira-mar partiu um pé e teve uma lesão bastante grave na virilha esquerda. Resultando desse episódio um diagnóstico médico indicando que ele nunca mais poderia jogar. O que consequentemente, com esse estado, levou a que a transferência não fosse concluída, visto que a inscrição da Confederação Brasileira de Desportos para a Federação Portuguesa de Futebol, ou seja do Brasil, onde ele jogara, para Portugal, custava na época coisa de 10 contos, quantia assinalável para a época. Então, na dúvida da recuperação, não foi inscrito. Enquanto de seguida, na negociação para acerto de assinatura de contrato, foi-lhe proposta redução de salário, ao que havia sido combinado, e ele não aceitou. Levando isso a ter seguido outro caminho, embora continuando ligado ao futebol,  mas por outras paragens.

Ora, acertando o passo da evocação, neste pé, há que fazer uma retrospetiva curricular e biográfica, antes e depois dele ter chegado a jogar com a camisola azul e branca do FC Porto. Segundo informações pessoais do filho, Júlio de Carvalho Pereyra, a quem reconhecido o autor desta lembrança agradece.

Julio Oscar Pereyra nasceu em Lincoln, Argentina, a 31 de Janeiro de 1918, sendo o sexto de 7 filhos da prole de sua família. Tendo cedo ficado órfão de pai aos 7 e de mãe aos 15 anos. Foi então viver para Buenos Aires, em Avellaneda, em cuja zona do Independiente jogou então nas camadas jovens e evoluiu até chegar acima. No mesmo clube em que seu irmão, António Pereyra, foi titular até ter uma fratura de menisco, que na altura não se operava e lhe acabou com a carreira quando vestia a camisola desse mesmo Independiente de Buenos Aires. Então Julio evoluiu como sénior jogando no Club Excursionistas, no All Boys e no Estudantes de Buenos Aires, bem como esteve para se vincular ao San Lourenzo de Almagro, mas não chegou a acordo. Entretanto foi 2 vezes internacional pela Seleção B da Argentina. Jogou depois no União Espanhola, do Chile, no Wanderers, do Uruguai, rumando de seguida ao Brasil, onde jogou no América do Rio, Esporte Clube Bahia e Santa Cruz do Recife. E veio depois para o FC Porto, em Portugal.

Veio por fim para a Europa, oriundo do Brasil, após quatro épocas anteriores de outros tantos êxitos. Vindo com destino ao Roma, cuja rota acabou alterada devido a dificuldades surgidas para arranjar bilhete de passagem e por isso teve de vir num cargueiro que também transportava passageiros. O que levou a passar por Portugal, originando alteração de planos e destino. Pois quando chegou, como já era tarde para o respetivo ingresso no clube italiano, com as competições em andamento e porque o clube romano deixara de estar  interessado, ele ainda pensou seguir para Espanha, mas mais uma vez houve troca de voltas ao destino. Acontecendo entretanto, que acabando por deslocar-se com o compatriota Scopelli a Lisboa, foi apresentado ao Belenenses e no Restelo fez um treino, havendo chegado a receber oferta de contrato, mas outro rumo acabaria por tomar, também dessa vez. 

Entretanto dera-se o ingresso do treinador Alejandro Scopelli no FC Porto, o que fez que o treinador que estava ligado à sua vinda para Portugal levasse a que afinal Pereyra ficasse no Porto, também. E de azul e branco ele jogou com Barrigana, Virgílio, Fandiño, Manuel Sanfins e demais que raspavam as chuteiras de travessas pelo pelado do campo da Constituição. E outros campos onde jogasse a equipa escalada por Scopelli. Até que aconteceu a grave lesão num desses jogos. E seguidamente, enquando não chegou a acordo para continuar no Porto, teve um convite do Málaga, mas algo mais aconteceu, tendo o colega de equipa Sanfins o convencido a ingressar na Ovarense como jogador-treinador, de modo a continuar em Portugal. Ai foi então campeão nacional da 3ª divisão. Cujo primeiro sucesso originou ter enveredado pela carreira de treinador, definitivamente.

= Com a taça de Campeão da III Divisão Nacional de 1949/50.

Entretanto frequentou um Curso de Treinadores levado a cabo na Associação de Futebol do Porto, dirigido por Cândido de Oliveira e Pinga, em que também participaram Pedroto, Joaquim Machado e Porcel, antigos futebolistas do FC Porto, com José Maria Pedroto a assimilar aí as bases que o levaram mais tarde a ser o grande Mestre Pedroto. De cujo decurso dos trabalhos e evolução em campo, desse curso, ficou um instantâneo duma das aulas e uma pose de conjunto para a posteridade.

Seguidamente, já sentado no banco dos responsáveis como treinador, ficou ainda na Associação Desportiva Ovarense, e a partir dali seguiu percurso profissional que o levou até ao Salgueiros, de novo à A.D.O (Ovarense) por diversas vezes intercaladas, de permeio com passagens por F.C. Avintes (também mais que uma vez), Sanjoanense, Avintes, Leça F.C., Vilanovense, de novo Salgueiros, depois Feirense, A.C. Marinhense, Leça F.C., S.C. de Vila Real, C.D. de Torres Novas, Sporting de Braga, Vianense, União de Lamas, C.D. Oliveirense, Sporting da Covilhã, C.D. Portalegrense, C.D. de Paços de Brandão, Sport Viseu e Benfica, C.D. de Estarreja, C.D. de Paços de Brandão e S.C. de Mirandela.

Julio Oscar Pereyra, além de ter sido um exímio praticante de futebol e ainda também de basquetebol, tinha um dom natural, que era de ser dotado de boas mãos para recuperação de traumatismos físicos, um mister particular que exercia por carolice, sem querer receber nada. Dom esse que teve sequência numa neta que, segundo testemunhos, é herdeira do avô nessa qualidade, além de ser adepta do clube que o avô representou primeiro em Portugal.

Julio Pereyra faleceu em Julho de 1982 vítima de um acidente de viação, quando já tinha chegado a acordo com a A.D.O. para a época 1982/83.

O autor dedica este artigo e a evocação da memória de Julio Oscar Pereyra a sua neta Alexandra Pereyra, Portista ferrenha e nascida no Porto, que embora não tenha conhecido o avô paterno, é uma sua grande fã. Conforme confidenciou seu pai, que devido ao percurso do progenitor ficou com outra simpatia clubista, enquanto a filha teve e tem melhores gostos e honra bem a memória de quem originou a história da família que ganhou raízes em Portugal, a partir do Porto.

Armando Pinto

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