A Madeira é um jardim, como entoa a cantiga popular e bem se
diz no sentido da beleza natural, mas não só, também pelo caracter de seu valor
humano. Tendo derivado do povoamento daquelas paragens no meio do Atlântico, em
resultado das descobertas de Zarco, Tristão e Perestrelo, toda uma casta de
gente que tem dado bem conta do legado do Infante D. Henrique.
A Madeira, típica por seu ambiente florido e paisagens em
cascatas atraentes, qual tela de diversos matizes, seduz num panorama idílico
que dá ideia de ser musical aos olhos. Numa proporção que até fez brotar outros
dotes personalizados. Tal como, entre diversas pessoas salientes, viu nascer em
seu regaço ilhéu alguns bons exemplos: Max deu voz às mais conhecidas cantigas
do folclore local; Sérgio Borges foi uma voz singular na música dos conjuntos
académicos e venceu em Portugal o então mediático Festival RTP da Canção; Luís
Jardim é um dotado e multifacetado homem da música; enquanto Vânia Fernandes
venceu o Festival RTP da canção e chegou a ser representante de Portugal no
Festival da Eurovisão. Bem como nas letras irradia cultura nuns José Tolentino
Mendonça e Herberto Helder, por exemplo. Mais desempenhando papel de relevo em
filmes, tendo como ilustre ator cinematográfico o artista Virgílio Teixeira,
que andou nas telas do cinema nacional e internacional. Tanto ou mais como se
eleva na linha Jardim de políticos famosos, um dos quais, Alberto João (quer se
goste ou não, sendo admirado por muitos e nem tanto por outros), é figura
incontornável da história do desenvolvimento da Madeira e Porto Santo.
E também
no desporto o paradigma humano da natureza da Madeira tem saliência, a começar
em Pinga, o célebre Artur de Sousa “Pinga”, em seu tempo tido como melhor do
futebol português e considerado o primeiro fenómeno madeirense, até ao atual
representante-mor, o futebolista prestigiado Cristiano Ronaldo, este
considerado algumas vezes já o melhor do mundo no universo do futebol. Assim como,
entre outras modalidades e seus melhores praticantes, tendo o hóquei em patins
já tido impacto notório no arquipélago da Madeira, na senda do hóquei patinado
ser modalidade querida dos portugueses, José Ricardo foi o maior embaixador do
hóquei madeirense, com efeito, como grande valor do hóquei nacional. Pois Ricardo,
somente, como era mais conhecido, mas também referido por José Ricardo e
Ricardo Sousa, foi o melhor hoquista português nascido na Madeira – num honroso
lote em que ele foi expoente, como ficou expresso na sua transferência para
o continente do país, inicialmente para o Sporting de Lisboa por uma época, e
mais tarde aportando no F C Porto durante seis épocas, até descalçar os patins. Ficando assim
a enfileirar junto com Branco, Castro, Jorge Câmara e Januário no lote dos que,
em períodos diferentes, jogaram igualmente no F C Porto, além de também noutros
clubes continentais. Entre boas colheitas, cujas ilhas vulcânicas produzem
mais, mas também, como o vinho Madeira sui generis, de longa duração.
= Ricardo na Seleção da Madeira, em 1967. Vendo-se Castro e Ricardo sentados, à esquerda da foto. Pose de recordação no balneário, com o ator também madeirense Virgílio Teixeira, no final de disputado jogo com a Seleção de Lisboa. =
O hóquei em patins ganhara boa projeção na Madeira, em cujo meio
sensivelmente a partir de princípios dos anos sessentas, em pleno século XX,
foi ganhando maior protagonismo no panorama desportivo. Daí que os melhores
valores dessa modalidade passaram a ser alvo dos clubes continentais, com
epicentro em jogos de seleções entre representações da Associação de Patinagem
do Funchal e de cidades do Continente, sobretudo de Lisboa. Seguindo-se mais outras
direções, como aconteceu quando o F C Porto, então em fase de ascensão do
hóquei em patins no clube, reforçou suas fileiras com o guarda-redes Branco,
primeiro, a que se seguiram, algo mais tarde, o avançado Ricardo (de
características mais de médio-avançado, embora jogando em todo o rinque) e o
jovem guarda-redes José Castro. Transformando o panorama hoquístico com outro
semblante, como ficou descrito num livro historiador do cenário desportivo
local, do qual se junta extrato duma página:
= Excerto do livro “História lúdico-desportiva da Madeira”,
publicado no Funchal em 1989, por Francisco Santos =
Quando o hoquista Ricardo veio para a cidade do Porto jogar
hóquei no F C Porto, havia no futebol portista um outro Ricardo também. Por
sinal um jovem em que se depositavam esperanças num futuro risonho no campo do
futebol, com reconhecida habilidade, mas sem a acutilância que se desejava do
alto das bancadas, aos olhos dos espetadores apoiantes do clube perante esse João
Ricardo. Enquanto o hoquista começou a ser deveras apreciado. Pois logo que o
José Ricardo passou a evoluir em rinque e se notou que fazia bem dupla com
Cristiano Pereira, ficou a ser personagem grato, nome de agrado no mundo azul e
branco da Constituição e das Antas (porque o hóquei em patins ainda se jogava
no rinque do antigo campo da Constituição e o clube se solidificava em torno do
estádio das Antas). Então, quando se falava em Ricardo era ao do hóquei que se
associava mentalmente de imediato.
= Aspeto panorâmico do Campo da Constituição, com vista sobre o antigo rinque de patinagem, onde também se desenrolavam jogos das equipas do F C Porto, ainda naquele tempo - estando, na ocasião da fotografia, a decorrer um treino de hóquei em patins. =
Ora, Ricardo também quando rumou ao Porto, junto com o
conterrâneo Castro, guarda-redes ainda com idade de júnior mas que veio para
completar a equipa sénior portista, encontrou na Invicta portanto o
guarda-redes Branco, conhecido da mesma ilha, que era então o titular do F C
Porto (depois de Moreira ter findado a carreira). Aí, apesar de ter outra simpatia
clubista, além do clube Maritimista onde se formou, também pelo clube de Lisboa
que representou de passagem, Ricardo foi-se afeiçoando ao clube nortenho que
passou a representar e inclusive ganhou fortes raízes na cidade do Porto. Tanto
que se encantou na atmosfera do mundo portista e começou a namorar uma jovem
que deslizava nas águas de competição do mesmo clube azul e branco, vindo a
casar com essa mesma nadadora, Francelina Valadares, que era, ao tempo, a mais
destacada representante feminina dos “golfinhos do Porto”. Uma atleta do F C
Porto conhecida nesses tempos e praticamente das mais referenciadas no âmbito
da atividade amadora das Antas, como figura da natação portista, a par com
Fátima Pinto e Isolina Pinhel no atletismo (como o autor destas linhas se
recorda bem de ver serem referenciadas no jornal O Porto, órgão que divulgava o
ecletismo do clube, acompanhado pelo Norte Desportivo, visto os jornais de
Lisboa serem sectários na direção sul). Casou então em Lisboa, em Novembro de 1970, com Francelina Valadares. Deste seu casamento resultou ter natural
descendência, continuando seu nome no orgulho dos filhos, Mafalda Filipa e
Ricardo Sousa. Voltou a casar em Março de 1987.
De seu nome completo José Ricardo Meneses Alves e Sousa, o
Ricardo do hóquei do Porto nasceu na ilha da Madeira a 6 de Março de 1942. Começou a
jogar no Clube Sport Marítimo, em 1960, ao pegar num stique e jogar sobre
patins, tendo logo chamado as atenções, revelando-se um hoquista de elevado
rendimento.
= Equipa do F C Porto de 1968. Em pose aquando da vinda de Ricardo e Castro para o F C Porto. Reportando-se à formação que jogou em digressão à Madeira, efetuada após a respetiva transferência. Da esquerda para a direita, em cima: Alexandre Magalhães, Valentim, Leite e Hernâni; em baixo - Cristiano, Castro, Branco e Ricardo. =
Ao serviço do Marítimo foi várias vezes Campeão Regional,
tendo-se sagrado Campeão Regional da Madeira em 1961/1962,1962/1963,1963/1964 e
1966/1967. Sendo que na época de interregno, em que não obteve esse título, foi
por estar ausente no Continente, tendo inicialmente estado uma época em Lisboa
a representar o Sporting, em 1964/65. Depois regressou à Madeira, entretanto. De
permeio jogou na Seleção Regional da Madeira em 1967 e 1968. Continuando assim
mais algum tempo no Marítimo, onde enfileirou oficialmente com alguns outros bons
valores, entre os quais o jovem guarda-redes Castro, até que veio para o F C
Porto, junto com esse amigo e colega mais novo, em 1968, ano em que o F C Porto
venceu a Taça de Portugal de futebol.
Com o reforço dos referidos madeirenses, a completar o naipe existente, onde a experiência de Magalhães e Leite se aliava à juventude de Cristiano, goleador que começava a dar nas vistas e puxava mais entusiasmo, começaram a aparecer resultados animadores, nalguns casos surpreendendo equipas que estavam mal habituadas... Senão, repare-se:
Despontava assim mais a Norte a modalidade dos patins e stiques, trazendo também o hóquei uma era de revigoramento ao mundo azul e branco, qual andorinha a anunciar a Primavera com essa "ala dos namorados" que se movimentava em rinque com as cores do F C Porto.
= Equipa da época da conquista do Campeonato Metropolitano, em 1969 =
Tendo então entrado no plantel sénior do hóquei do F. C.
do Porto a partir de 1968, Ricardo foi Campeão Regional do Porto, na equipa do F C
Porto que venceu o Campeonato Regional da Associação de Patinagem do Porto, em
1969/1970, 1971/1972, 1972/1973 e 1973/1974. Assim como conquistou o título de
campeão do Campeonato Metropolitano em 1969, ano em que o clube foi
vice-campeão nacional, como aliás voltou a ser algumas vezes mais.
= Saudação entre equipas do clube, de homenagem da equipa de Voleibol à equipa de Hóquei, saudando os Campeões Metropolitanos de 1969.
Entretanto Ricardo jogou pela Seleção do Porto, na equipa representativa da APP, em 1969.
Além de haver chegado a ser convocado para a Seleção Nacional e ter participado
nos treinos, selecionado que foi em 1968 para a Seleção Nacional que se estava
a preparar para a disputa do Campeonato do Mundo, mas não chegou a ficar no
lote que disputou a fase final, vítima da diferença de tratamento que então
havia. Em tempos que dos hoquistas de clubes do Norte somente eram incluídos os
chamados indiscutíveis, entre os melhores, quando unicamente iam à Seleção A da
Federação, entre jogadores de campeonatos nortenhos, o Júlio Rendeiro, inicialmente do Infante de
Sagres (e depois do Sporting), mais o Brito, episodicamente, após ter mudado do
F C Porto para o Académico e só vários anos depois de ter regressado ao F C
Porto, e por fim o Cristiano, do F C Porto, durante alguns anos o único
representante do F C Porto na seleção principal. Algo somente mais tarde
alterado, quando começaram a ser convocados outros, como Castro, Chalupa, os Vítores
Hugo e Bruno, Vale, os António, Pedro e Paulo Alves, Carlos Realista, Domingos
Guimarães e Carvalho, Franquelim, Filipe Santos, Tó Neves, Reinaldo Ventura, Nelson
Filipe, Jorge Silva, etc. etc. até aos mais recentes Helder Nunes, Gonçalo
Alves e Alvarinho.
= Foto da primeira eliminatória da estreia do F C Porto nas competições europeias de hóquei, em 1970, quando defrontou no Porto para a Taça dos Campeões Europeus a equipa alemã do Rollsport Reimscheid, com cujos oponentes os hoquistas do F C Porto posaram em conjunto. Tendo o F C Porto alinhado com o equipamento alternativo desse tempo e usado durante muitos anos, com camisola branca e calção azul. Identificando-se, a partir da esquerda e em cima, os portistas: Cristiano, Leite, Júlio, Ricardo e Fernandes; e em baixo, Castro, Hernâni e Brito.
Efetivamente, no caso da seleção representativa do hóquei
português, Ricardo não chegou a ser escolhido por não jogar num clube da área
da Associação de Lisboa e sobretudo por ser do Porto. Em parte acontecendo isso
quando um selecionador desse tempo era um simpatizante do Sporting. Pessoa que
enquanto selecionador da seleção júnior soube discernir bem, sem olhar a
clubismos nem regionalismos, mas já como responsável da seleção sénior foi de
visão parcial. (Recordo-me, narrando na primeira pessoa, de ter sido aflorado
esse assunto duma vez em que, por amável convite do sr. Sampaio Mota, decorria
a Primavera de 1972, fui convidado a passar um fim de semana de acompanhamento
ao hóquei portista. Tendo ido no autocarro pequeno do clube junto com a equipa
principal para um importante jogo em Valongo. Fui então ciceroneado pelos amigos
Jorge Câmara e irmãos Barbots durante a tarde e à noite, na ida para o jogo de
Valongo, o Ricardo foi propositadamente no autocarro, quando alguns foram em
carros particulares, e sentou-se à minha beira, para conversarmos. Numa
cavaqueira inesquecível que deu para eu ter ficado mais por dentro do mundo do
hóquei. Nunca mais esquecendo como ele me contou que sem ter vindo para o Porto
como adepto do clube, cada vez simpatizava mais com a causa portista ao
conhecer apoiantes como este seu amigo…)
= Recorte d’ O Porto, edição de 25 Maio de 1972, com caixa
referente a acontecimento do dia 21 anterior… =
A visibilidade deveras apreciada da presença de um bom número de madeirenses no hóquei da cidade do Porto teve, de permeio, direito a uma entrevista jornalística aos quatro "mosqueteiros" que se fixaram na Invicta - como se pode ver por recortes dessa reportagem que teve lugar no antigo jornal O Comércio do Porto (com Ricardo, Castro e Jorge, já do plantel senior do F C Porto; e Branco, que anos antes se mudara para o Académico):
Ricardo manteve-se no F C Porto até 1974, abandonando depois
a atividade desportiva, em consequência de um acidente de viação.
= Esquadrão do F C Porto em 1972 / 73, estando Ricardo em cima, à direita, junto com (a partir da esquerda) Cristiano, António Júlio e Joaquim Leite; e (em baixo) Augusto, Domingos Ferreira, João Brito e Jorge Câmara.
Aquando da sua retirada, na admiração nutrida e simpatia que
havia pela sua carreira ao serviço do F C Porto, o autor destas linhas dedicou
ao hoquista Ricardo uma boa parte dum artigo escrito no jornal O Porto, órgão
informativo oficial do clube, onde começávamos então a colaboração publicista
que se manteve durante alguns anos. Desse texto juntamos aqui a respetiva
coluna, em homenagem perene a esse grande jogador de hóquei em patins
madeirense que deixou seu nome ligado ao hóquei do F C Porto, ficando nos anais
do hóquei patinado nacional.
= In jornal “O Porto” de 19/12/1974
Ricardo, estrela que brilhou no universo do hóquei em patins, desapareceu cedo do mundo, falecido com 61 anos a 20 de Outubro de 2003, deixando um rasto cintilante na sua vida como homem e desportista.
ARMANDO PINTO
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* Obs.: Imagens de arquivo pessoal do autor e outras dos arquivos dos antigos hoquistas José Castro e Jorge Câmara.