Rui Guedes era um simpático jovem, de barba muito bem aparada
e por norma sorridente, de palavra fácil e olhar contagiante, que em finais dos
anos setentas começamos a ver na televisão, através de sua participação num
concurso daqueles que nesses tempos preenchiam serões televisivos, à falta de
melhor, quando havia apenas a televisão estatal. Passados tempos, num ápice,
passou a entrar pelas casas dentro, via imagens do ecrã da tv, como companheiro
e apresentador dum programa que, apesar de ter um rato (animado em boneco tipo infantil) como figura principal, cativou miúdos e graúdos. Enquanto, como pianista de
méritos firmados, acompanhava o seu personagem ao piano. Sendo a figura de
cartaz esse tal rato, o famoso Topo Gigio, mas curiosamente com Rui Guedes a
converter-se no herói de que todos gostavam.
= Rui Guedes (pianista) apresentava um programa de
entretenimento na RTP. Foi neste programa que surgiu, pela primeira vez em
Portugal, o rato Topo Gigio (Cartoon, da autoria de Miguel Salazar, publicado no livro
"Das Turmêntas hà Boua Isperansa", do grupo musical Trabalhadores do Comércio).=
Por esses tempos ficamos a saber que Rui Guedes era Portista.
Por meio de uma entrevista que ele deu a um jornal desportivo, a Gazeta dos
Desportos, que na época tinha uma secção semanal na última página sobre figuras
da cultura e dos espetáculos. Depois disso ele foi-se revelando um
multifacetado investigador e publicista, tendo publicado alguns livros de compilação
de documentação que fora juntando, e conseguindo, através de fotografias, descobrir
e inventariar factos, editando então Fotobiografias dos três principais clubes
desportivos de Portugal e até doutros temas, como foi o caso duma poetisa,
Florbela Espanca, dum político, tal era Sá Carneiro, e um artista como Almada
Negreiros. E, para nós, será sempre o herói da reposição histórica do verdadeiro
ano da fundação do F C Porto.
Assim sendo, justo é que o apresentemos formalmente, diante
duma sua biografia alargada:
No início da década de 1970 participou com um carro Porsche
em rallis, de corridas automóveis. Havendo ficado na lembrança dos meios automobilísticos
o seu Porsche 907 psicadélico que o levaria ao 3º lugar do Grande Turismo e Desporto.
O carro era assistido na "Vecar" do Porto e a pintura era o último
grito da moda, aparentemente inspirada nos Porsche de fábrica, à época. Não
chegou a ir muito além porque, poucas semanas depois de ter feito uma grande
corrida no Rally de Monsanto, Guedes despistar-se-ia com alguma violência no
segundo dia de treinos em Vila Real, danificando seriamente o 907 e terminando
por aí a sua carreira desportiva. Perdia-se um piloto mas ganhava-se um futuro
apresentador de televisão e "pai" da versão portuguesa do "Topo
Giggio". (Já o Porsche 907 seria reconstruído na Garagem Aurora e voltaria às
pistas em 1972, pelas mãos do felgueirense Carlos Santos). Mas, bem vivendo sua
vida, Rui Guedes era ainda um normal jovem sociável. Em 1977 tornou-se então conhecido
do grande público quando participou, em conjunto com Concha, no concurso televisivo A
Visita da Cornélia.
Foi então o autor de música inédita que gravou com Eunice
Muñoz na leitura de alguns dos melhores sonetos de Florbela Espanca. Reeditado
mais tarde em CD pela Movieplay (1997). E para Florência musicou "Amar,
Amar".
Destacou-se como pianista (chegou a tocar no bar do hotel
Sheraton em Lisboa) e em 1979 começou a apresentar o programa de Topo Gigio na
RTP. Era o autor das canções do programa conjuntamente com José Cid. Também
apresentou o programa "Ao piano com Rui Guedes".
Com António Semedo (a voz portuguesa de Topo Gigio) produziu
a peça Processo de Jesus. A banda sonora era da sua autoria e de Mike Sergeant.
O Gigio trouxe-lhe a maior fama, por quanto tocou nos corações
de grandes e pequenos. A figura do Topo Gigio era indiscutivelmente um dos
ratos mais famosos do mundo. Entrava nas casas de todos a determinadas horas,
do conhecimento geral por essas eras, fazendo-se acompanhar ao piano por Rui
Guedes e encantava crianças e graúdos com a sua boa disposição. Topo Gigio foi
um boneco originalmente criado na Itália, tendo Rui Guedes adquirido os
respetivos direitos, havendo-lhe de permeio mudado a camisola para riscas azuis e brancas, embora horizontais (a dar toque mais infantil), com o qual, na feliz ideia apresentada na
televisão portuguesa, despertava um sentimento de ternura para com ele, sempre
bem disposto e sincero.
Entretanto Rui Guedes dedicara-se à parte editorial, onde se
destacam os estudos sobre a obra de Florbela Espanca. Rui Guedes comprou o
espólio a um descendente do segundo marido de Florbela. Lança uma biografia e
vários livros, tais como "Cartas (1906-1922)" e "Cartas (1923-1930)",
com recolha, leitura e notas da sua autoria, lançados em 1986.
Participou também na edição de Fotobiografias com a história
dos maiores clubes do futebol português lançadas em 1987 e 1988. Tendo começado
por fazer uma grande pesquisa sobre a História do F C Porto, derivando
extensivamente haver reparado e ampliado seus estudos com o material que lhe
foi surgindo sobre os outros clubes. Cuja documentação mais tarde cedeu para arquivo
na Torre do Tombo.
Publicou fotobiografias de Sá Carneiro e de Florbela
Espanca, cujas obras completas recolheu e anotou, a edição atualizada do
dicionário Cândido de Figueiredo, várias obras de carácter didático e um livro de
ensaios, "Gente de Valor".
Foi vice-presidente da Assembleia Geral da Sociedade
Portuguesa de Autores desde 1995.
Com Ana Maria Guedes colaborou na dobragem de filmes da Walt
Disney e na tradução dos versos das canções. A editora Everest lançou em livro
as suas adaptações de clássicos da Disney como Pinóquio, 101 Dálmatas ou outros
como Ai Que Frio! ou Cozinhar Com a Margarida.
Faleceu no dia 15 de Setembro de 2001.
De seu currículo vitae ficaram a constar como obras de sua
autoria os livros: Acerca de Florbela - publicado em 1984 - pela editora Dom
Quixote; Fotobiografia: Florbela Espanca - 1985 - Dom Quixote; Cartas 1906-1922
de Florbela Espanca - 1986 - com Luiz Fagundes Duarte; Futebol Clube do Porto -
Fotobiografia - 1987 - Dom Quixote; Sport Lisboa e Benfica - Fotobiografia - 1987 - Dom Quixote;
Sporting Clube de Portugal - Fotobiografia - 1988 - Dom Quixote; Poesia 1903 -
1917 de Florbela Espanca – 1992; Almada Negreiros - Obra Plástica - 1993
Bertrand Editora; Dicionário Prático de Conjugação dos Verbos de Língua
Portuguesa - 1994 - Bertrand Editora - com Ana Maria Guedes; Sá Francisco
Carneiro - 1994 - Bertrand Editora; Companhia das Índias - Porcelanas - 1995
Bertrand Editora - com Martim de Albuquerque; Interiores - 1995 - Bertrand
Editora - com Homem Cardoso; Reais Mesas Do Norte De Portugal: Homenagem a Ju Távora
- 1997 - com Ju Távora; Fotobiografia de Florbela Espanca - 1999 - Dom Quixote;
Ourém - 2004 - com Ana Saraiva e Patrícia Guedes; e Joalharia Portuguesa - 2006
- Bertrand Editora - com Nuno Vassallo e Silva. Discos: DE JOELHOS — Arnaldo Trindade,
Orfeu, Eunice Munhoz e Rui Guedes; ESCRAVA — Arnaldo Trindade, Orfeu, LP,
Eunice Munhoz e Rui Guedes; ESPERA — ETS Cinema, Vira; FLORBELA ESPANCA POR EUNICE
MUÑOZ, LP, Orfeu; Toca Música dos Anos 20, Orfeu, Processo de Jesus - com Mike
Sergeant, Orfeu, 1982; e Suíte nº 1, edição promocional Orfeu, sem data, com segunda
composição Fur Concha (em que Rui Guedes editou neste single um tema original e
dedicado à companheira, a cantora Concha).
Como recordação de sua aura, atente-se numa apreciação
pública que lhe fez uma escritora e jornalista que com ele privou: “ Lembram-se de quando o
Rui Guedes lançou uma moda que nos fez passarmos o tempo a dizer uns aos outros
«eu ponho-te um processo em cima!»? Que saudades desses dias de inocência. É
que acreditávamos sinceramente que estávamos só a brincar.” (Clara Pinto
Correia, em A Deriva dos Continentes).
Ah… desse tempo (era o meu filho uma criança de 3 anos,
ainda, antes de ter a companhia da irmã) em boa parte as crianças e os pais vão
lembrar-se sempre de como na televisão o Gigio meigamente lhes dizia que estava
na hora da deita… com o “Boa-noite
Topo Gigio” (de 1981): «Todos os meninos que são teus amigos, / estudaram as
lições. / Já estão lavadinhos deitados na cama, / rezaram as orações”… (composição de Rui Guedes e José Cid, voz de
António Semedo).
Pois Rui Guedes foi tudo isso e foi quem despoletou a
questão da verdadeira fundação do F C Porto através do que publicou e provocou
na sua Fotobiografia do F C Porto. Vincando que, afinal, a verdade era sabida
mas incompreensivelmente não era assumida. Fez mesmo ver que a data referida da
eventualidade de 1906 era inventada, não correspondendo sequer ao dia do
calendário aludido por cronistas e copistas. Mas, melhor que quaisquer outras
explicações, demos aqui de novo a palavra a Rui Guedes, o herói desta história –
mostrando-se algumas páginas iniciais da Fotobiografia do F C Porto:
Como acrescento, em virtude da referência acima expressa, juntam-se mais as primeiras páginas da Tábua Biográfica correspondente e inserta no final da mesma célebre Fotobiografia:
Posto isto, resta acrescentar que Rui Guedes teve um papel
fundamental em todo o desenvolvimento que resultou em, passados meses, ter sido
oficializada a data da fundação do F C Porto, na Assembleia Geral de Fevereiro
de 1988.
A disponibilização de tal realidade levou então que, pouco
depois, logo na primeira publicação oficial que se seguiu, no caso a 2ª edição
da brochura do Conselho Cultural do F C Porto – Porto / Clube / Cidade” – para
distribuição promocional nos encontros no estrangeiro, houvesse de imediato
passado a constar a nova e verdadeira versão.
Como tal, depois que já aludimos rememorações de homenagem a
António Rodrigues Teles, o pioneiro historiador do F C Porto, do modo que
possibilitou ter havido preservação de muitas imagens e recordações de eras
remotas, do qual também referimos ter tido conhecimento da verdade, embora sem
que tivesse havido uma reabilitação necessária; homenageamos desta vez o
concretizador da ideia da reposição histórica, tendo sido Rui Guedes quem teve
a iniciativa de provocar o que veio a resultar em autenticidade. E possibilitou
que estejamos agora, em Setembro de 2013, prestes a celebrar 120 de Vida do F C
Porto.
O mesmo também é anotado na obra Glória e Vida de Três
Gigantes, d’ A Bola, onde o jornal afeto aos clubes lisboetas acaba por
reconhecer o mérito de quem repôs a verdade e, por conseguinte, a própria veracidade.
Assim sendo, lembramos que, tal como pensamos para Rodrigues Teles, será de inteira justiça que venha
ainda a ser atribuído a Rui Guedes o estatuto de Portista de Honra, com sua colocação
a Sócio Honorário do F C Porto!
Armando Pinto
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