Seis milhões de benfiquistas ou o centralismo
terceiro-mundista português
Texto de Gabriel Leite Mota • 30/01/2015 in “Público”
« É voz corrente dizer-se que o Sport Lisboa e Benfica tem
cerca de 6 milhões de adeptos em Portugal. Apesar de essa ser uma estatística
não verificada, a verdade é que o Benfica é, claramente, o clube com mais
adeptos no país. A afluência aos estádios nos jogos do Benfica, seja em que
terra for, é um bom exemplo dessa realidade.
Tal facto costuma ser motivo de orgulho benfiquista
(diga-se, de passagem, que não entendo bem porquê: é que a valia de um clube
desportivo mede-se pelo seu sucesso desportivo, não pelo número de adeptos ou
associados). Porém, esse mesmo facto devia ser motivo de vergonha nacional: é
que este dado estatístico é uma consequência directa da história de Portugal,
nomeadamente do Estado Novo, e é um espelho do nosso atraso civilizacional e da
nossa doença centralista.
Salazar foi um ditador tacanho e provinciano que sempre
temeu o desenvolvimento urbano e industrial da nação, pois temia a formação de
movimentos operários. À custa desse temor, condenou o país a um atraso
civilizacional, deixando apenas que se vissem vislumbres de urbanismo em
Lisboa. O resto do país era paisagem rural.
É essa assimetria entre Lisboa e o resto do país, associada
aos consequentes sucessos desportivos do Benfica durante os anos 60, que faz de
Portugal um caso de estudo na Europa: é que não há, nos outros países da Europa
civilizada, tal concertação de adeptos num só clube.
Nos outros países da Europa, mesmo nos pequenos, as pessoas
são adeptas do clube da terra onde nasceram. Nasceu em Bruges, é do Club Brugge
K.V., nasceu em Eindhoven é do PSV (nunca do Ajax). Nos grandes, então, nem se
fala: nasceu em Valência, é do Valencia Club de Fútbol, nasceu em Birmingham, é
do Aston Villa Football Club. Não passa pela cabeça de nenhum marselhês
defender o Paris Saint-Germain, é expatriado o catalão que defenda as cores do
Real Madrid, é cunhado de louco o nado em Liverpool que suporte o Arsenal FC, é
condenado ao degredo o napolitano que defenda o AC Milan.
Entusiasmo pela terra
Em Portugal, tristemente, é fácil ver bracarenses,
flavienses, vimaranenses, farenses, leirienses, coimbrões ou até (imagine-se)
portuenses, a defendem as cores do grande da capital em vez de defenderam as
cores dos seus clubes locais. Felizmente, em Braga e em Guimarães há um
renovado entusiasmo com os clubes da terra (o que aponta na direcção do que
sempre devia ter acontecido) e, no Porto, os benfiquistas sempre foram uma
minoria.
Enfim, nunca nos podemos esquecer que todos os clubes são
regionais, locais. Essa é a sua natureza, esse é o seu racional. Até os nomes
costumam ser elucidativos: Sport Lisboa e Benfica. É o clube desportivo de um
bairro/freguesia da cidade de Lisboa. Por que diabo deve um vila-condense
exaltar essa freguesia Lisboeta? Futebol Clube de Porto. É um clube de futebol
da cidade do Porto. Por que raio há de um aveirense defender o FC Porto antes
do defender o Beira-Mar?
Sei bem que o sucesso de um clube consegue cativar aqueles
que gostam de seguir os vencedores mais do que os da sua terra. Por isso, os
clubes que vencem muito têm adeptos de todo o lado. Mas o dado mantém-se: o
grau de concentração de benfiquistas em Portugal é uma excentricidade de que
todos nos devíamos envergonhar…»
( Nota aqui do autor da página:
No nosso caso pessoal, o ser-se Portista, também foi uma
forma de lutar contra o tal centralismo, sendo o Futebol Clube do Porto representante do distrito e diocese do Porto, da capital do Norte e o clube da província que dava
luta aos grandes da capital. Tendo ganho dimensão que hoje suplanta tudo e
todos… para inveja dos que não ganham tantas vezes como o F C Porto tem
vencido!
Armando Pinto)
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