Reconstituição Histórico-documental da Vida do FC Porto em parcelas memoráveis

Reconstituição histórico-documental da Vida do FC Porto em parcelas memoráveis

Criar é fazer existir, dar vida. Recriar é reconstituir. Como a criação e existência deste blogue tende a que tenha vida perene tudo o que eleva a alma portista. E ao recriar-se memórias procuramos fazer algo para que se não esqueça a história, procurando que seja reavivado o facto de terem existido valores memorávais dignos de registo; tal como se cumpra a finalidade de obtenção glorificadora, que levou a haver pessoas vencedoras, campeões conquistadores de justas vitórias, quais acontecimentos merecedores de evocação histórica.

A. P.

terça-feira, 19 de abril de 2022

ELIAS CRUZ: Campeão entre pioneiros do ciclismo do FC Porto (1933 - 1936)

Um dos ciclistas que representou o FC Porto nos primeiros tempos da participação portista em provas já de cariz oficial, em que também se salientou então, foi Elias Cruz.

Elias Ferreira da Cruz, nascido em S. Bernardo, próximo de Aveiro, a 3 de Abril de 1911, cedo começara a sentir paixão pela bicicleta, algo que o levou a inscrever-se em muitas provas regionais, que geralmente ganhava.

Este amontoar de êxitos levava as pessoas a afirmarem, antes de cada prova, que “O Elias vai ganhar”. Então (segundo descrição na página informática da sua freguesia, em “www.freguesiadesaobernardo.pt/desporto”) «um Diretor do F.C. Porto, a exercer a sua atividade profissional numa Fábrica de Sabão, em Aveiro (na Rua de São Martinho), ouvindo tantas pessoas a afirmarem que o “Elias ganhava sempre”, resolveu indagar quem era esse tal Elias. E assim foi estabelecido o primeiro contacto». Entretanto, numa dessas corridas foi visto por esse elemento afeto ao F. C. Porto, o qual apreciando as qualidades da robusta pedalada de Elias Cruz o convidou a ingressar na equipa do grande Clube do Norte. Como ele porém não tinha bicicleta apropriada «os Diretores do F.C. Porto, conhecedores do seu valor, ultrapassaram o assunto dando-lhe uma bicicleta marca Vilar, sem mudanças, que pesava 19,5 kg. A correr com essa bicicleta, Elias tinha direito aos seguintes prémios, conforme o lugar em que se classificasse: - 1.º lugar numa prova: 1$00 ao km; - 2.º lugar numa prova: $80 o km; - 3.º lugar numa prova: $60 o km.» Indo então ao Porto «de comboio, onde assinou a ficha de Atleta pelo F.C. Porto.» Estava-se em 1933 e Elias acabou por correr pelo F.C. Porto até 1936. Mas «só raramente ia fazer um treino ao Porto» preparando a correr em trajetos da sua região. E «quando havia alguma prova o F.C. Porto enviava-lhe, na véspera, um telegrama para ele se apresentar na Sede do FC Porto no dia seguinte a uma determinada hora. O clube pagava-lhe as deslocações de comboio, das vezes em que o Elias não resolvia ir de bicicleta, mais a estadia e o táxi.»

1935 - Caricatura - ELlAS CRUZ em desenho dum artista aveirense de assinatura A. Torres  (em "Almanaque Desportivo de Aveiro")

Elias estreou-se oficialmente em 1933 na categoria de «principiantes», mas competindo com os outros mais velhos, e logo se salientou correndo o Porto-Braga-Porto, prova em que triunfou. Tão auspiciosa estreia foi então prenúncio de novos e sucessivos triunfos, conquistados em competição com os melhores valores do Norte e mesmo do Sul. Assim, foi o vencedor de várias provas, entre as quais se destacam o VI GIRO DO MINHO, em 1934, os 100 KMS CLÁSSICOS e o I PORTO-VIGO-PORTO, em 1935. Além de ter alcançado o título de Campeão do Norte em três anos consecutivos (1934, 35 e 36).

Também (segundo sua biografia na página de sua freguesia) venceu o Circuito de Vila Nova de Gaia disputado por eliminatórias», no qual, «em luta com os melhores ciclistas nacionais, venceu sucessivamente todas as eliminatórias e a final.» Bem como «no Circuito da Bairrada, uma grande estrela do Ciclismo Nacional, Nicolau, vergou-se a um 2.º lugar, ficando o Elias em 1.º». E «no Grande Prémio da Delegação do Porto da União Velocipédica, encontram-se frente a frente a estrela máxima do Ciclismo Nacional da altura, Alfredo Trindade e um valoroso ciclista, Elias Cruz… Uns anos antes tinham surgido as primeiras bicicletas com mudanças, que imprimiam maiores velocidades com menor desgaste físico dos atletas. Alguns ciclistas utilizavam bicicletas com mudanças. Era uma corrida desigual. Elias Cruz continuava na sua bicicleta Vilar, com aros de madeira, a não ter mudanças. Mas ele não era homem para desanimar. Dada a partida, ele põe-se à frente a puxar mesmo sem mudanças e com uma queda à saída de Viana do Castelo, que o obrigou a esperar cinco minutos pelo seu carro, mas, apesar de bastante magoado, só um homem conseguiu aguentar aquele ritmo endiabrado: Alfredo Trindade. E com a meta à vista, Alfredo Trindade, na sua bicicleta de mudanças, sprintou e venceu a prova. Mas a atuação do Elias Cruz foi tão surpreendente e meritória que no Jornal Stadium, publicado no dia seguinte, veio inserida uma fotografia dos dois ciclistas abraçados com a legenda: “Alfredo Trindade e Elias Cruz vencedores da prova”.»

Entretanto diversas outras provas Elias venceu, entre as várias disputadas, segundo a tradição pela transmissão oral, mas das quais algumas não terão ficado assinaladas também em crónicas nem imagens contemporâneas. 

Elias Cruz quando, em 1935, venceu os “100 Kms contra relógio do Porto” ("100 Kms Clássicos"), efetuados em 3 h. 1 m. 2/5 s. (in revista "Stadium")

«As pessoas de São Bernardo, sua terra, sentiam profundamente tudo isso e viviam com um entusiasmo incomensurável os seus êxitos. Na hora em que cada prova terminava já uma delegação de São Bernardo, fosse qual fosse o dia e a hora, estava na Ponte Praça, debaixo dos Arcos, a aguardar, junto do Placard, a classificação final do Elias. Esperavam horas sem fim, e quando acontecia, como quase sempre aconteceu, que o Elias era o primeiro, era o entusiasmo que rapidamente era trazido para a sua terra. Espontaneamente, as pessoas juntavam-se no pátio de sua casa. A “Tuna” de São Bernardo, com a sua música e marchas, vinha voluntariamente associar-se à festa. Era música, dança, alegria, vida, juventude e amizade. Ninguém arredava pé enquanto o seu Elias não chegasse. Era toda uma terra irmanada e feliz pelo êxito de um seu patrício.»

Elias Cruz, chegou a gozar de grande popularidade no país, sendo mesmo considerado o melhor valor do ciclismo nortenho nesse tempo. No auge de sua carreira, tendo ainda em 1935 vencido no I Circuito da Barra, abandonou o ciclismo em 1936.

- Equipa de Ciclismo do FC Porto de 1935 que esteve presente nas 12 Voltas à Gafa. Da esquerda para a direita: Rêgo, Fernandes da Silva, Elias Cruz e Nunes da Silva. (in revista "Stadium")

Com tal decisão prematura pôs termo a uma carreira que prometia ser brilhante, quando apenas com 25 anos era uma ridente esperança de muitos mais sucessos.

«Em 1981, em pleno reconhecimento do importante papel que em termos desportivos Elias Cruz representou, o Centro Desportivo de São Bernardo, numa pública homenagem, atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Desportivo. A esta homenagem associou-se a Assembleia de Freguesia de São Bernardo que, numa das suas Sessões Públicas, aprovou, por unanimidade, um voto de congratulação e de louvor a Elias Ferreira da Cruz.» E «depois de uma vida passada inteiramente em São Bernardo, na Rua Cega, onde nasceu e sempre viveu, Elias Ferreira da Cruz veio a falecer no dia 23 de Fevereiro de 1994, encontrando-se sepultado no cemitério de São Bernardo» (conforme consta na referida página informática da sua freguesia natal).

 Armando Pinto

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