Neste espaço de memorização portista, de boas memórias e sobretudo para avivar factos dignos de virem à tona do conhecimento, recuamos desta vez até eras dos tempos político-sociais do Estado Novo. Vindo a talhe recordar a figura do Dr. Ângelo César Machado, a propósito da efeméride de sua reeleição para Presidente do Futebol Clube do Porto.
Com efeito, a 21 de julho de 1939 Ângelo César foi reeleito presidente do FC Porto, cargo que ocupava desde o ano anterior, nesse tempo em que os mandatos presidenciais no FC Porto estavam estabelecidos de curta duração. Este advogado, natural do concelho de Resende, era o líder do clube quando os Dragões conquistaram o primeiro bicampeonato, em 1938/39 e 1939/40, e distinguiu-se como um feroz combatente da centralização dos poderes do futebol em Lisboa, que então já se verificava. A atuação de Ângelo César em diversos conflitos com a Federação Portuguesa de Futebol culminou com a sua irradiação, no verão de 1940. Como alvo a abater pelo sistema BSB, tornando-se figura de ataques martirizantes pela causa azul e branca.
Figura sociável da cidade do Porto, onde se radicou, e personagem da vida nacional, tinha raízes da zona de transição duriense e beirã ribeirinha do rio Douro, pintada de cores de vinhas e cerejas, sendo natural de Anreade, concelho de Resende, distrito de Viseu. Onde, na antiga freguesia desse nome, Anreade (e não Andrade, como aparece em várias alusões sobre o mesmo), atualmente da União das freguesias de Anreade e São Romão de Aregos, nasceu a 4 de março de 1900 na Casa de Santo António do Muro/Casa da Granja – mansão familiar da qual depois o Dr. Ângelo César Machado foi proprietário (e atualmente, nos inícios do séc. XXI, é propriedade dum seu sobrinho).
Assim, sua biografia está bem condensada e acondicionada no blogue Estrelas do FC P, da lavra de Paulo Moreira:
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« FCPorto – Dragões de Azul Forte
Retalhos da história, conquistas e vitórias memoráveis, figuras e glórias do F. C. do Porto
Capítulo 4: 1931 a 1940 – À conquista do futuro; Bicampeão! (Parte XIX).
Como calar César…
A Federação Portuguesa de Futebol propôs ao seu Congresso a irradiação do Dr. Ângelo César Machado, presidente do FC Porto, por ter instado a equipa a abandonar o campo nas Amoreiras, no jogo com o Benfica para a Taça de Portugal 1938-39 (2.ª mão das meias-finais), e pelas declarações que fizera em defesa do seu clube na questão do encontro anulado com o Académico do Porto.
Ângelo César (ao jeito do que, muitos anos depois, haveria de fazer Pinto da Costa) insurgia-se contra o despotismo de Lisboa e as tentativas de colonização do Porto, contra os jogos de bastidores para prejudicar o FC Porto, contra o conluio de dirigentes alfacinhas e árbitros que, dizia, ambicionavam que Benfica, Sporting e Belenenses continuassem a dominar o futebol português. Num país em que a lei da mordaça imperava, em que a censura dominava a seu bel-prazer, em que a submissão era um tributo, espantava que César dissesse o que dizia, que tivesse a coragem que afrontava os “senhores” de Lisboa.
Foi assim, sem surpresa, que a FPF decidiu, no final da época de 1939-40, irradiar o presidente do FC Porto para… o calar! Os associados portistas, ripostando, fizeram do presidente irradiado, num acto de profundo simbolismo e grandíssimo amor clubista, presidente da Assembleia-geral do FC Porto. Para presidente da Direcção foi escolhido Pires de Lima, que era, então, um dos mais notáveis deputados da União Nacional.
Refira-se, e não deve ter sido por inocente coincidência, desde que a voz incómoda de César foi amordaçada, começou o calvário das arbitragens súcias que, de forma despudorada, prejudicavam sucessivamente o FC Porto.
• Encetou de imediato o saneamento financeiro de que encarregou o tesoureiro da sua Direcção, José Donas. Do programa constava a revisão de ordenados de jogadores, a anulação de prémios de vitória no Campeonato Regional, pelo estabelecimento de multas quando se verificasse que o jogador não cumpria, com brio desportivo, o seu dever, ou quando faltasse aos treinos; estipulou-se que a equipa devia regressar ao Porto no mesmo dia (sempre que jogasse em Lisboa), promoveu-se a captação de novos associados e o aumento de quotizações, etc. Determinou obras no Campo da Constituição para aumentar a capacidade para 20 mil espectadores
• Todavia, o que marca a presidência de Ângelo César são dois acontecimentos de cariz diferente:
- A conquista do primeiro Bicampeonato da história do FC Porto, nas épocas 1938-39 e 1939-40, sob o comando de Miguel Siska que ele contratou quando despediu François Gutskas.
- A sua irradiação pela FPF (Federação Portuguesa de Futebol), a pretexto de ter instado a equipa a abandonar o campo nas Amoreiras, em jogo com o Benfica para a Taça de Portugal 1938-39, e de ter proferido declarações “impróprias” em defesa do seu clube na questão do encontro anulado com o Académico do Porto na época 1939-40.
• Mas, efectivamente, a razão da irradiação estava no facto de Ângelo César ser uma voz incómoda, muito incómoda, para o poder desportivo sediado em Lisboa. Ele, que até havia sido uma figura grada ao regime político vigente, acusava publicamente o órgão federativo de favorecer os clubes da capital, insurgia-se contra as arbitragens que prejudicavam as equipas do Norte beneficiando as do Sul, clamava, em suma, por justiça, por equidade. Essa postura e o facto de a exercer, energicamente, em defesa do “inimigo” de Lisboa, o FC Porto, condenou-o à irradiação.
O grito de revolta ecoou por toda a cidade do Porto e, num acto louvável e de grande simbolismo, os associados portistas nomearam Ângelo César presidente da Assembleia-geral do clube.
• Da gestão desportiva de César, realce também para o primeiro título de Campeão Nacional de Andebol de 11 e para as contratações de excelentes futebolistas de que se destacam os jugoslavos Kordnya e Petrak e o húngaro Andrasik.
Ângelo César Machado foi agraciado com o título de Presidente Honorário do FC Porto, em 17 Nov.1944.
• Ângelo César, um notável Presidente Portista! »
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Curiosidade particular: O Dr. Ângelo César era um distinto advogado, costumando ser chamado para resolver casos até em terras distantes da cidade do Porto, nesses tempos antigos de fracas comunicações e distanciamento também informativo e cultural. Como num caso ao tempo afamado, passado no interior da zona do Vale do Sousa, no concelho de Lousada. Tal «o facto de o Dr. Ângelo César Machado ter sido um dos advogados na sequência dos graves distúrbios no primitivo campo de futebol da Senhora Aparecida, em maio de 1932, após o jogo entre a equipa local e o Sport Lousadense. Caso que se arrastou pelo tribunal, envolvendo em honorários, só a este advogado, cerca de oito contos de réis, "o que daria para comprar uma quinta"», conforme contou o historiador lousadense Prof. Luís Ângelo Fernandes, segundo ouviu de testemunha ocular. O que diz muito da sua importância no meio da advocacia e natural jurisprudência.
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Como complemento, respiga-se outra crónica do blogue "Reflexão Portista":
« 1940, Presidente irradiado e equipa roubada
Época de 1939/40. Enquadramento - o FC Porto tinha ficado em terceiro lugar no regional, mas participou no campeonato por causa de uma manobra administrativa. A Federação Portuguesa de Futebol fez o alargamento à pressa e as portas abriram-se. Os portistas foram campeões e estiveram quase a consegui-lo sem derrotas mas, a 21 de Abril de 1940, perderam no Lumiar. O Sporting venceu por 4-3 com o golo da vitória a ser marcado a 20 segundos do fim. Ângelo César, o presidente da altura, já reclamava os privilégios dos clubes de Lisboa. Na equipa distinguiam-se os croatas Petrak e Kordnya.
= Equipa do FC Porto campeã nacional em 1938/39 =
Depois de ter conquistado os campeonatos de 1938/39 e 1939/40, o FC Porto sonhava, pela primeira vez, com o seu terceiro título consecutivo. Mas já na época do "bi" a prova teve que ser alargada de forma a repor a "justiça", após uma decisão da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) contrária à da Associação de Futebol do Porto, que colocava o Leixões no "Nacional", em detrimento dos (campeões) portistas. A ilógica da determinação federativa era tal que a formação de Matosinhos recusou o lugar, alegando que a equipa que deveria estar por direito na fase final era o FC Porto. E o FC Porto, com Mihaly Siska no comando técnico, provou então, que era a melhor equipa nacional.
FC Porto – Belenenses, 1939/40, Kordnya e o guarda-redes do
Belenenses Salvador
(fonte: revista Stadium, 3 de Julho de 1940)
Na temporada de 1940/41, a FPF radicalizou as suas acções de forma a serem mais eficazes. Angelo César, presidente do FC Porto, utilizava naquela altura um discurso (idêntico àquele que viria a ser retomado por Pinto da Costa) contra os poderes instituídos em Lisboa, contra as arbitragens que prejudicavam constantemente as equipas do Norte favorecendo, por outro lado, as do Sul. E quando se levantou a grande polémica que marcou a época de 1939/40, Ângelo César clamava por justiça, mais do que nunca.
Para não voltarem a ser incomodados e ainda, por cima, obrigados a conceder-lhe razão, os senhores da FPF irradiaram o presidente portista. Os portistas elegiam simplesmente Ângelo César para presidente da Assembleia Geral, mas o grito de revolta ecoava por toda a cidade.
Por coincidência (?), desde que a voz incómoda de César foi amordaçada, começaram então as arbitragens que de forma descarada prejudicavam sucessivamente o FC Porto, como se pode constatar na consulta de qualquer jornal da época. Logo no primeiro jogo entre os "grandes", o Sporting recebeu os portistas e ganhou por concludente 5-1. Como se não bastasse o resultado ser tão desequilibrado, o sportinguista João Cruz lesionou gravemente o guarda-redes portista, Bela Andrasik, que foi evacuado para o Hospital de São José. Henrique Rosa, o homem que de negro vestido, pintou a sua actuação de verde e branco, encarregou-se de consentir o terceiro golo na sequência de um fora de jogo claríssimo e validou o quarto tento, quando o guardião Andrasik se contorcia com dores no chão, graças a duas fracturas nos ossos da face, depois da agressão de João Cruz.
A guerra Norte-Sul adensou-se ainda mais quando Carlos Pereira, a meio da época, optava por jogar no Unidos FC, um clube de Lisboa que lhe ofereceu o dobro do vencimento que auferia no FC Porto e ainda 30 contos de "luvas". A equipa portista, sempre comandada por Siska, ainda conseguiria fechar o campeonato com uma vitória de 5-2 sobre o Benfica, mas a derrota consentida no Lima ante o Sporting tinha-a já atirado irremediavelmente para fora da rota do "tri", naquele em que seria mais tarde recordado como o ano em que os árbitros viraram "anjos negros".
in Bola na Área, 10/11/2008 »
Para finalizar, em virtude da cartilha do sistema por vezes andar lançando atoardas de falsidades atiradas pela Internet e páginas de falsos perfis das redes sociais, regista-se ainda a folha do Dr. Ângelo César Machado como Deputado nacional, de forma a demonstrar pela narrativa oficial o que ele fez tão só em tal período de Deputado - muito depois de ter deixado de ser Presidente do FC Porto:
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Mais Curiosidades: O Dr. Ângelo César, além de tudo o que ficou relacionado com o FC Porto, foi um literato de obra conhecida e especialmente inspirador de paixão duma grande poetisa... como foi o caso passado com Florbela Espanca. Mas isso são outras histórias.
Esteve ainda o Dr. Ângelo César como Presidente da AJHLP nos anos 50, incidindo sua ação também na Direção da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Como tal foi um dos ilustres Presidentes da história da mesma Associação incluídos na obra histórico-literária historiadora da AJHL. História ilustrada essa da Associação sob título "Eppur si muove", em cujo livro a foto correspondente foi pedida ao autor deste blogue, pela autora Dr.ª Manuela Espírito Santo, a cuja solicitação gostosamente correspondi com o respetivo envio, para o efeito (porque não havia na instituição alguma foto sua de identificação conhecida e um anterior pedido feito ao FC Porto não obtivera resposta). Ficando assim ilustrado com a imagem referida esse livro publicado em novembro de 2021.
Armando Pinto
((( Clicar sobre as imagens, para ampliar)))
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