O fenómeno social que se revela no caso do desporto, como
facto de atração e profuso elo de ligação com os mais diversos campos da
sociedade, é também generoso em conexão com curiosidades de relação portista,
como no tema que desta vez trazemos à ampliação memorial. Tal o caso dum
histórico personagem dos anais da história portuguesa do século XX, que teve
também simpatia pelo clube da cidade Invicta, a capital da Liberdade que foi
sempre sua. Vindo a talhe evocar a figura lendária do “Comandante” João
Sarmento Pimentel, homem que recebeu a espada de honra da cidade do Porto e,
apesar de constar na toponímia de diversas cidades e vilas, como por exemplo Leça
da Palmeira, Matosinhos, Mirandela, Felgueiras, Arrentela e Corroios-Seixal,
Vila Franca de Xira, e na freguesia de Rande (Felgueiras) onde viveu durante
anos, etc, não tem na cidade do Porto qualquer rua com seu nome e a própria
espada que ele depois ofereceu para o antigo museu da cidade portuense nem
consta de relações identificativas dos roteiros de museus e outras publicações
que tais…
(Nalgumas das mesmas localidades e diferentes também - frise-se, para evitar confusões - há
outras ruas com nomes toponímicos de seu irmão, esse natural de
Rande-Felgueiras, o aviador Francisco Sarmento Pimentel, autor da 1ª travessia
aérea de Portugal à Índia, em 1930.)
= [Retrato de] João Maria Ferreira Sarmento Pimentel, in
Vultos da Exposição Histórica da Ocupação: retratos de figuras de campanhas
coloniais do séc. XIX e princípios do séc. XX. Organizada pelo Ministério das
Colónias, no Pavilhão do Parque Eduardo VII, Lisboa, em 1937 / Instituto de
Investigação Científica Tropical - Fundo Agência Geral do Ultramar - Arquivo
Histórico Ultramarino =
Refere-se assim este perfil, de honrado português antigo,
pela aura que o distingue, sem olhar a quadrantes políticos nem simpatias
sociais, num tempo como agora que praticamente não há grandes diferenças
ideológicas, tal o estado político-social a que chegou o país, pois os atuais
partidos políticos com assentos em lugares públicos se diferenciam mais nos
nomes que no resto de interesse geral. Sendo assim referenciado João Sarmento
Pimentel, que foi um lutador pela liberdade à luz de antigamente, aqui
por nós lembrado apenas como pessoa que admiramos, por quanto teve alguma relação com
o interesse portista.
Como enquadramento, anote-se uma breve referência
biográfica:
João Maria Ferreira Sarmento Pimentel (n. Eixes, Mirandela-Portugal,
14 de Dezembro de 1888 — f. São Paulo-Brasil, 13 de Outubro de 1987) foi um
oficial de Cavalaria do Exército Português, escritor e político que se
distinguiu na luta contra a Monarquia e posterior Ditadura desde o 28 de Maio
ao Estado Novo. Apesar de ter nascido no concelho de Mirandela, em
Trás-os-Montes, onde sua família tinha propriedades, passou a maior parte da
vida civil em Portugal na área do Douro Litoral, na Casa da Torre, casa-mãe da
família, na freguesia de S. Tiago de Rande, em Felgueiras. Tendo aí vivido as
peripécias mais pessoais e afetivas desde sua infância até à juventude, como
narra no livro “Memórias do Capitão”, obra prima memorial que foi livro de
estudo literário de ensino no Brasil.
Como aluno da Escola do Exército
participou nos movimentos da Rotunda, em Lisboa, ao lado de Machado Santos, nos
dias 3 a 5 de Outubro de 1910, de que resultou a implantação da República
Portuguesa. Participou nas campanhas do Sul de Angola, esteve na Flandres, durante
a I Grande Guerra, foi o herói da derrota da Monarquia do Norte e consequente
manutenção da República, em 1919 (…"Mas a breve guerra civil terminou com
a entrada das tropas republicanas no Porto, após a revolução de 13 de Fevereiro
de Sarmento Pimentel" [...] - José Gomes Ferreira, A memória das palavras.)
Cujo movimento vencedor levou a ter sido reconhecido com uma espada de honra
dos habitantes da cidade do Porto, pela sua participação nessa revolução de 13 de
fevereiro de 1919. Tendo entretanto sido ainda distinguido com medalhas pelas
campanhas militares e agraciado com a Ordem da Torre e Espada. Até mais tarde ter
estado entre os comandantes da revolta de 1927, no Porto, após cujo desfecho
se teve de exilar, fixando residência no Brasil. Ali liderou também a colónia
portuguesa de opositores ao regime de Salazar e Caetano, tendo entretanto vindo
à Galiza para colaborar numa revolta falhada em 1931.
De permeio escreveu o
livro “Memórias do Capitão”, editado no Brasil em 1962 e que ficou como livro
de estudo em universidades brasileiras. Livro que só foi possível publicar em
Portugal em 1974, depois, após o 25 de Abril, quando regressou temporariamente para
festejar e rever seu país, passados quarenta e sete anos de exílio por motivos
políticos. Veio a ser ainda condecorado com a Ordem da Liberdade, na
presidência do General Ramalho Eanes. Seu nome foi honrosamente atribuído à
Biblioteca Pública de Mirandela e a uma Escola Estadual no bairro de Itaquera, em
São Paulo-Brasil. Tendo por fim falecido no Brasil, com uma pneumonia fatal
pela noite de 12 para 13 de Outubro de 1987, quase a perfazer 99 anos de idade,
junto à prole familiar ali já radicada.
Como no tempo de sua participação nos últimos movimentos
revoltosos tinha a patente de capitão, era considerado como “Capitão-comandante”.
Mesmo depois de ter sido promovido a General, como foi seu posto distinto, continuou
a ser conhecido pelo popular apelido.
Ora vem a propósito evocar o famoso “Capitão-Comandante” Sarmento
Pimentel na ligação ao F C Porto, para registar o facto de constar algo
relacionado ao clube na sua correspondência, que tem sido objeto de estudos. Atendendo
à digressão que a equipa principal de futebol do F C Porto efetuou ao Brasil em
1956, (após conquista do campeonato português e em trânsito para a primeira participação na taça do Mundialito da Venezuela), sendo que João Sarmento Pimentel, exilado no Brasil desde 1927, era
figura de relevo na comunidade portuguesa radicada na metrópole brasileira de
São Paulo. Ele que em 1935 fundara a Casa de Portugal, em São Paulo, onde em 1952
foi escolhido como Presidente do Centro Republicano Português. Sabendo o autor,
por contactos de amizade (derivado a ele ser conhecido de familiares do autor
destas linhas, como conterrâneo de residência em Portugal), que João Sarmento
Pimentel nutria simpatia pelo F C Porto, clube da cidade onde ele residiu nos
tempos de heroicidade bélica, em que deu voz de prisão aos monárquicos de
Couceiro em 1919 e se envolveu na revolta de 1927. Embora sem maior associação por
ter saído de Portugal ainda em tempo que o desporto não estava muito
desenvolvido socialmente.
(Uma carta, como ilustração de conhecimento pessoal)
Indo ao assunto propriamente, refira-se então que entre a “Correspondência
de João Sarmento Pimentel a seu cunhado Fortunato Seara Cardoso”, que era ao
tempo diretor d’ O Comércio do Porto, é de reter uma passagem – depois de uma
vista de olhos por outras linhas, nos predicados epistolares:
- 1956. Carta de São Paulo, 29 de junho.
(Aludindo chegada de notícias e receção duns livros: ) «Esta
vida de agora, mais sedentária, leva-me a mergulhar na leitura. E assim vou
iludindo a ausência da terra mater e estas saudades, que são a águia lendária
do velho Prometeu, sem esperança de vir outro Hércules libertar-nos do suplício.
Aqui os livros portugueses atingem preços astronómicos, demais sendo uma
raridade. O governo ainda não se convenceu que o único meio dum intercâmbio
eficiente e garantia do predomínio da cultura portuguesa no Brasil, seria uma
livraria onde os escritores portugueses estivessem ao alcance da gente
remediada. Essa propaganda é substituída por endeusamentos do Estado Novo,
parecendo que o passado e o futuro não contam. Nós outros não pensamos assim e
ainda agora lembramos à urbs gigantesca o gigante Camões com uma notável
exposição bibliográfica das obras do épico na Casa de Portugal e conferências
em Santos, São Paulo, Ribeirão Preto e São Carlos. Mandar-lhe-ei oportunamente
os opúsculos que registam e atestam essa homenagem à Pátria madrasta e ao seu
maior expoente, também em vida por ela abandonado e esquecido». (Muda de
conversa para o futebol. A propósito da ida ao Brasil do Futebol Clube do
Porto, anota, na mesma carta, dando notícias do Futebol Clube do Porto, referindo ter a embaixada portista passado com
atuação fria e friamente recebida pela comunidade lusa em São Paulo, por falta
de cortesia na receção e de associações que cultivassem a parte afetiva do
intercâmbio.) «A Casa de Portugal não foi procurada, nem recebeu, como de
direito, comunicação oficial ou oficiosa da vinda a São Paulo daquele time,
pelo que não tomou providências que sempre lhe deram pretexto para mostrar o
seu patriotismo, generosidade e boa vontade por todas as atividades que mostram
os seus patrícios chegados a Piratininga. E como a Casa de Portugal congrega a
melhor gente portuguesa e de maior poder económico, resultou desse alheamento o
fracasso financeiro e social da excursão em terras bandeirantes.» (Arquivo
Maria Elisa Pérez - conf. estudo da Drª Maria Estela Guedes, para um projeto de
livro)
Naturalmente que o caso tem a ver com o facto dos
representantes portugueses em São Paulo serem então contrários à situação política
vigente em Portugal, naquele tempo e, como tal, a política portuguesa, através
dos canais da censura e redes policiais, vulgo Pide, não terem dado azo a que houvesse o devido
contacto. Mais porque o F C Porto nunca foi visto pelo Estado Novo com olhos
protetores, nem de grande afeto, aliás. Perpassando assim na colónia lusa,
naquele chão brasileiro, alguma frustração de não ter podido render as devidas
homenagens à embaixada portista que andou então por aqueles sítios.
Fica assim mais um testemunho de outros tempos. De… In illo
Tempore!
Como ilustração, juntam-se algumas imagens sobre o percurso e obras literárias desse português que sentiu o Porto também do outro lado do
Atlântico.
ARMANDO PINTO
((( Clicar sobre as imagens, para ampliar )))
Nota Bene: A propósito, confira-se também anterior artigo,
(clicando)
sobre
A.P.
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