Como o som do ar pode transportar história e memórias de
quem conheceu o que tais efeitos podem lembrar, também o ciclismo é associado
ao som das bicicletas a passar velozmente e os seus intervenientes valorosos
são lembrados no sentido histórico, do impacto que provocaram durante a sua
carreira.
Tudo isso, assim, na aragem que trespassa o íntimo da
admiração perante ciclistas que povoaram tempos e espaços de afetos. Como foi o
caso de Ernesto Coelho, um ciclista que muito trabalhou nas provas percorridas
em parte dos anos sessentas, nessa década em que nas rádios tanto se ouvia a
música dos Beatles, dos Sheiks e Cª , como os relatos das etapas da Volta a Portugal
em bicicleta. Um ciclista que muito honrou a camisola do FC Porto, clube que
representou e com o qual será sempre referenciado, como o Ernesto Coelho do
Porto, ciclista que ajudou às vitórias do FC Porto em diversas provas ao longo
de alguns anos e nas Voltas a Portugal ganhas pelos colegas de equipa Mário
Silva, José Pacheco e Joaquim Leão, além de outras corridas, desde Clássicas
até Grandes Prémios e Circuitos.
Ernesto Coelho tinha valor à medida do poderio que nesse
tempo detinha o ciclismo do FC Porto, não sendo qualquer um que incluía um
grupo forte como era a esquadra azul e branca, onde quase todos os ciclistas
eram de idêntica valia e qualquer um podia vencer qualquer prova. Tal a força
conjunta dos portistas nesse período áureo do ciclismo do FC Porto entre finais
da década de cinquenta até meio dos anos sessentas. Tempo, aquando da chegada
de Ernesto Coelho ao escalão sénior do ciclismo, em que no futebol, na era de
Nascimento Cordeiro, primeiro, e depois duns Dr. Cesário Bonito, Sr. Pinto de
Magalhães, Dr. Miguel Pereira e outros dirigentes que se dedicavam a gerir o
grande baluarte nortenho, o clube não conseguia fazer valer sua qualidade perante
o sistema BSB que dominava o panorama futebolístico nacional, emergindo então
no valimento a demonstração de caracter portista através do ciclismo, onde não
havia árbitros, por assim dizer. Modalidade que tinha em Franklim Cardoso um seccionista
de raça (depois também diretor-treinador), de tal modo que os diretores federativos o afrontaram por ele defender
os interesses do clube, algo que era sinal de marcação posicional que
incomodava o regime desportivo do Estado Novo. Sendo então tempos em que o FC
Porto era muito forte em ciclismo e tinha muitos bons ciclistas. Entre os quais
a qualidade de Ernesto Coelho era evidente, no meio de tantos expoentes como
Sousa Cardoso, Sousa Santos (pai), Artur Coelho, Mário Silva, Carlos Carvalho,
Azevedo Maia, José Pacheco, Mário Sá, Joaquim Leão e mais, autênticos gigantes
sagrados das corridas, tanto que mesmo como ciclista de trabalho de equipa,
Ernesto Coelho era de valor reconhecido. A pontos de ter sido assediado de modo
mais vincado pelo Benfica para se transferir para Lisboa, em altura de assentar
praça para o serviço militar, valendo então o homem forte do clube Afonso Pinto
de Magalhães ter conseguido resolver a situação a bem dos interesses do clube
das Antas e do próprio ciclista.
Vai assim a alongar-se já esta narrativa, como numa corrida
de extenso grosso da coluna ciclista, sem menor volta a dar, também neste caso,
para melhor se definir posições, diante do muito que há a referir. Numa ligação
entre gerações, de recolagem e recuperação memorial, enquanto se entreabre o
baú de recordações e se empreende viagem com lembranças na mala do pensamento. Dentro
do passado em que o FC Porto andava pelas estradas através dos corredores com
suas camisolas das duas listas azuis salientes, a chegar aos tempos de agora em
que o azul e branco voltou a salientar-se no meio do mundo do ciclismo que
enche os olhos desportivos nacionais e não só. Como que a reverter memórias,
naqueles sentidos de outras eras que nos fazem parecer a pele mais rejuvenescida.
Assim, muita e apreciável história nos contempla.
O Futebol Clube do Porto, como o próprio nome de fundação
indica, é um clube surgido do futebol e especialmente associado ao fenómeno
entusiasta futebolístico. Mas sempre também foi um clube eclético, pois desde a
fundação incluiu diversas modalidades, chegando a albergar mais de vinte em
tempos propícios. Havendo sobressaído na sua importância atrativa ainda no
destaque de mais alguns desportos, como durante os anos quarenta e cinquenta
aconteceu com o Andebol, que na antiga variante de Onze teve os
“Campeoníssimos” (tal foi a hegemonia do andebol portista), e nos anos
cinquenta e sessenta, sobretudo, mas até mais além, no ciclismo em especial,
cujos ases dos pedais eram ídolos de multidões, perante um mundo de adeptos e
simpatizantes que foram engrossando a família portista.
Nesse alongado pelotão portista o ciclismo, com efeito, foi
sendo modalidade de grande apreço e com rico historial, que cativava adeptos
para o clube, ao passar diante das próprias pessoas e nomeadamente pela
superioridade que o FC Porto detinha, nesse tempo, em corridas de bicicletas. Eram
anos em que havia canções que faziam feliz muita gente, andando muitas pessoas
a toque do que se ouvia nas rádios, em tais períodos de melodias de sempre –
onde também se acompanhava a Volta a Portugal por relatos diretos, de
acompanhamento – e então como gostávamos de ver ciclistas briosos a vestirem a
camisola que nos encantava, todos pipis, como se dizia, a fazerem pose
agarrados aos guiadores de corrida, bem equipados com aquelas lindas camisolas
das duas listas azuis, que se distinguiam bem no meio da caravana ciclista… e
víamos nos jornais, quando não nos vislumbres que passavam a correr na
televisão. Épocas de grandes equipas e enormes corredores, que o F C Porto
tinha muitos e bons. Havendo favoritos entre conhecidos e apreciados, quer dos
ditos líderes ou chefes de fila, que mais provas venciam, como dos
trabalhadores em prol da equipa, os que ajudavam os colegas mais velhos ou de
maior fama, por assim dizer. Passados os tempos do famoso Fernando Moreira,
cuja fama perdurou no tempo, até aos Onofre Tavares, Dias dos Santos, Moreiras
de Sá, Amândio Cardoso, etc. E chegaram épocas de Sousa Cardoso, Sousa Santos, Emídio
Pinto, Artur Coelho, Carlos Carvalho, Mário Silva, José Pacheco, Azevedo Maia,
etc. e uns Mário Sá, José Pinto, Joaquim Freitas, Ernesto Coelho…
Pois, entre esses ases das bicicletas, lá estava mesmo Ernesto
Coelho, figura que agora queremos recordar, como um dos nossos antigos ídolos,
daqueles ciclistas que admiramos com a camisola do FC Porto. Sentimentos que,
afinal, ficaram na alma e passados tantos anos se deixam fluir, neste caso em
homenagem a um desses valores que ajudaram a fazer o FC Porto grande como é,
permanecendo nas imagens que perdurarão sempre entre boas recordações humanas.
Ernesto Coelho, ciclista do F C Porto nos tempos em que a
equipa portista durante anos teve ciclistas quase todos candidatos aos
primeiros lugares, foi vencedor, entre outros casos, de três etapas em provas
importantes de duração de dias, como foi com uma no I Grande Prémio do FC Porto
e duas durante as quatro Voltas a Portugal em que participou, bem como foi
vencedor final de alguns circuitos e inclusive de um Grande Prémio (da Feira),
além de ter vencido algumas mais etapas de Grandes Prémios e inclusive ter
chegado a ser camisola amarela no decurso do I Grande Prémio do FC Porto, tal
como incluiu a seleção portuguesa que participou em 1962 na Volta à França do
Futuro (Tour d’ Avenir). Sendo assim um nome que ficou na história do ciclismo
português, cujo pelotão nacional o teve até inícios de 1965, havendo depois
rumado a França, onde correu e entretanto se radicou. Regressando por vezes e
sempre que possível ao país natal, como ainda recentemente em pleno tempo das
férias de verão.
Aí, entre as suas episódicas deslocações até Portugal, tendo
tido conhecimento do apreço do autor destas linhas através do blogue “Memória
Portista”, Ernesto Coelho veio fazer uma visita aqui ao “je”… que com grande
satisfação o pude conhecer pessoalmente e com ele conversar animadamente do que
ele fez e eu pude acompanhar, ele como ciclista do FC Porto e eu como simples
adepto bem interessado no ciclismo do FC Porto, o que nesse tempo mais engrandecia
o clube de meus olhos e coração.
Desse dia, em que o meu amigo Ernesto Coelho esteve comigo
no meu espaço (acompanhado do também comum amigo sr. Joaquim Luís Costa, conterrâneo
felgueirense que correu pelo Académico no tempo em que Ernesto pedalava pelo FC
Porto), além de fotos da praxe, para recordar à posteridade, ficou sobretudo o
que se conviveu em conversa informal, falando-se quase só de ciclismo e da
carreira do ciclista em apreço. De cuja conversação ficamos com algumas dicas
para um artigo, este que logo ficou alinhavado de cabeça e agora se expande, em
honra desse grande ciclista do passado, em altura e valor.
Ernesto Coelho, que começou por correr nos circuitos da
região, lembra-se de ter corrido na Aparecida, quando Emídio Pinto, então
treinador adjunto do FC Porto, o descobriu e falou com seu pai para o deixar ir
para o Porto, tendo mais tarde ficado no Lar do Jogador do Porto, junto com
futebolistas colegas de clube, ainda muito jovem, passando depois a viajar
alguns dias de casa para o Porto. Enquanto com a camisola do clube azul e
branco percorreu as estradas do país durante alguns anos.
De nome completo Ernesto Fernando Martins Coelho, natural de
São Martinho do Campo, do concelho de Santo Tirso, onde nasceu a 26 de Maio de
1942, Ernesto Coelho começou por se embrenhar com o andamento das bicicletas em
miúdo, desde seus primeiros anos. O pai tinha uma oficina de consertos e
consequente venda de bicicletas, vulgo garagem, originando que ele cedo andasse
nesse meio e se deslocasse de bicicleta sempre que podia ou necessitava.
Derivado a isso e entusiasmado em correr depressa, começou a mostrar jeito,
tendo então o pai acedido a que entrasse em corridas populares, disputadas em
circuitos que nesses tempos se realizavam dentro dos programas de festas anuais
pela região. Foi assim que muito jovem participou pela primeira vez numa
corrida dessas, sendo um apaixonado pelo desporto das bicicletas e admirador
dos ases dos pedais desses tempos, com especial predileção por Fernando
Moreira, o nome mais aplaudido pelas estradas nessas eras. Tendo feito
circuitos de festas anuais como o da Aparecida, o da festa do Senhor dos
Aflitos em Lousada, alguns mesmo pela região de Felgueiras e sobretudo na área
do Ave.
Recordou assim Ernesto Coelho esses tempos:
« - Gostei sempre
muito de ver o FC Porto em ciclismo, sobretudo, desde que vi o ciclista
Fernando Moreira a correr e, naturalmente, sonhava um dia ser ciclista do
Porto. Por volta dos meus 14 anos, vendo-me numa das corridas de circuitos populares, veio ter comigo o sr. Emídio Pinto, treinador
dos ciclistas mais jovens do FC Porto e convidou-me a ir para o Porto. Que
alegria, senti. Disse logo que sim, mesmo sem falar com o meu pai. O que levou
o sr. Emídio depois a falar com ele. E o meu pai respondeu que eu estava em
idade de trabalhar para ganhar algum para casa, dizendo que não podia ir para
ciclista pois que não se ganhava nada
que se visse. Aí ficou o Sr. Emídio de falar com alguém responsável do FC Porto
para ver se me podia pagar alguma coisa. Uns tempos depois veio com uma grande
notícia: o FC Porto estava disposto a pagar-me 600 escudos (3 euros em dinheiro
atual) por mês, mais alimentação no fim dos treinos. E assim assinei o meu
primeiro contrato de ciclista... e logo com o FC Porto. Foi em 1956,
precisamente há 60 anos. Comecei nos iniciados até chegar a sénior. »
= Foto do jornal O Porto, ao tempo da chegada de Ernesto Coelho à equipa principal do FC Porto »»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»»
Nesse tempo, para se ter ideia, nos princípios da década de
1960 o salário médio dos assalariados agrícolas rondava os 25$00 a 30$00 para o
homem e 13$00 a 17$00 para a mulher. O desemprego atormentava os trabalhadores
longos meses sem ganharem um tostão para o seu sustento e das suas famílias. E
nas fábricas o ordenado rondaria os 40$00, enquanto um encarregado de secção
podia ir aos 50$00, mais coisa menos coisa, em linguagem popular. Dizia o povo
que nem cá nem lá, antes pelo contrário…
Continuando a conversa em torno de evocações, Ernesto
continuou: « -Estive no FC Porto até aos meus 23 anos. A partir dos 18 anos
era ciclista profissional do FC Porto e ganhava 1.600 escudos (8 euros na moeda
de hoje) por mês, mais os prémios das corridas. Para além disso eu podia
trabalhar noutra profissão e ganhava nisso mais 200 escudos (1 euro) por mês.
Era muito bom. Enquanto treinava normalmente em três dias por semana, indo de
S. Martinho do Campo nessas três vezes para ao Porto, mais concretamente para o
Estádio das Antas. Tendo por vezes viajado junto com alguns futebolistas desse
tempo, como Virgílio, que morava na Póvoa. Depois saíamos às 9 horas em equipa
para as ruas da cidade invicta que não tinha ainda o trânsito que hoje tem e
almoçávamos no Lar do Jogador. Eram condições de antigamente, em que a
bicicleta com que eu corria pesava 10 quilos. Hoje tenho uma que pesa menos três
quilos, o que é muito importante numa competição. Agora as bicicletas são
feitas de materiais muito diferentes. »
Tendo entretanto se ligado a Vizela, terra da namorada e
mulher da sua vida, Ernesto Coelho na sua primeira Volta a Portugal ainda chegou
a correr com o vizinho Artur Coelho, grande nome do ciclismo, natural de
Felgueiras mas então já residente em Vizela, como o próprio companheiro refere:
« -Corri ao lado dele na Volta a Portugal em 1961. Foi a última prova em
Portugal desse grande amigo.»
Nessa Volta de 1961, a primeira de Ernesto Coelho, que havia
completado 19 anos pouco antes, deu-se o célebre caso da intoxicação dos
corredores do FC Porto, facto que na época deixou dúvidas se teria havido
manobras de bastidores, através da confeção da refeição na véspera da
ocorrência, para afastar os principais favoritos. Coisa que levou ao atraso da
chegada da equipa pela manhã, ao início da etapa seguinte. E entretanto foi
dada partida aos restantes concorrentes por ordem superior, apesar dos
protestos do diretor do FC Porto. Ocorrência que levou que os portistas
arrancassem com substancial atraso, a juntar às condições de mau estar gástrico
e consequentemente originou a desistência de alguns dos ciclistas, entre os
quais Ernesto Coelho, que por tal motivo não pôde concluir a sua primeira
participação na Volta. Havendo assim o
Porto ficado desfalcado de Artur Coelho, Mário Sá, Júlio Abreu, José Pinto e Ernesto
Coelho, obrigando os restantes a cerrarem os dentes na luta pela honra da equipa.
Que apesar disso e tendo resistido cinco ciclistas (Mário Silva, Sousa Cardoso,
Sousa Santos, José Pacheco e Carlos Carvalho), no final foi Mário Silva do
Porto que acabou de amarelo coberto pela coroa de louros de vencedor.
= Equipa do FC Porto - 1961 (da esquerda para a direita):
José Pacheco, Sousa Cardoso, Carlos Carvalho, Sousa Santos, José Pinto, Ernesto
Coelho, Mário Silva, Mário Sá, Azevedo Maia, Júlio Abreu e Artur Coelho. =
E, continuando a desfiar o rol, Ernesto Coelho retoma a pedalada:
«-Entre os meus melhores registos de ciclista profissional, há a referir que ainda
em 1961 ganhei o Circuito da Senhora da Hora, no Porto, tal como na mesma época
de 61 o Prémio BREC. No circuito da Senhora da Hora tive uma grande emoção que
foi correr ao lado dum dos meus ídolos de épocas recentes, ao tempo, o Alves
Barbosa. Bati-o no sprint. Fiquei em primeiro e ele em segundo. Foi fantástico.
Nunca mais esqueci. Além de outros lugares de destaque, como também em 1961 foi
o 2º lugar no Circuito da Curia. Tendo em 1962 ganho o Circuito Ciclista da
Vila da Feira. E entre outros troféus e vitórias, participei em quatro edições da
Volta a Portugal em Bicicleta, desde 1961 a 1964 e numa Volta a França pela
Seleção Portuguesa no Tour d’ Avenir para Sub-25 anos, em 1962.»
Tendo na Volta a Portugal Ernesto Coelho vencido duas etapas
da Grandíssima: em 1962, a 10ª da Volta desse ano, de Tavira-Évora, ao fim de
255 Km, em tal Volta ganha pelo colega de equipa José Pacheco, e coletivamente
também pelo FC Porto; e em 1964 triunfou na etapa Vila Nova de Ourém-Águeda, de
159 km e à média de 39 km/h, na volta esse ano ganha por Joaquim Leão, e igualmente por
equipas pelo FC Porto. Tal como antes ainda, em 1963 venceu uma etapa do I
Grande Prémio do FC Porto, a de Braga-Porto, que lhe deu a camisola amarela.
= Etapa ganha por Ernesto Coelho na Volta a Portuugal de 1962 =
"Equipa do FC Porto de 1962, com Ernesto Coelho entre o grupo que ladeia o vencedor da Volta desse ano., José Pacheco =
A participação na Volta de 1962, em que, correndo entre o
maior número participativo de corredores de sempre, até então, Ernesto venceria
a sua primeira etapa ao décimo dia, ficou associada à inauguração da iluminação
do Estádio das Antas, motivo porque a etapa inicial se disputou em circuito
noturno na pista circundante ao relvado do FC Porto.
Dessa noite festiva, por isso, junta-se aqui a
correspondente página do Livro Oficial da Volta de 62, referente à 1ª etapa,
mais uma imagem ilustrativa da corrida dos homens das camisolas azuis e
brancas.
= Noite da inauguração da iluminação das Antas, ao início da
Volta de 1962 =
Fotos da entrega ao FC Porto dos trofeus da Volta de 1962 e jantar comemorativo dessa vitória individual e coletiva da Volta do Pacheco =
Em 1963, Ernesto Coelho foi então primeiro classificado durante
uma etapa do 1º Grande Prémio do FC Porto, prova que apenas não venceu depois por
não ter podido chegar ao fim, devido a uma queda que o impediu de continuar em
prova, no decurso dessa competição disputada em vários dias, ao tempo incluída
no calendário da Federação Portuguesa de Ciclismo e organizada pelo FC Porto.
= Festival de ciclismo na pista das Antas em 1963. Ciclistas
Joaquim Coelho e Acácio Ribeiro, do Académico-Manuel Torres e Júlio Abreu, da Cedemi-
Anquetil e Silvilloti (Estrangeiros)- Mário Sá, José Pinto, Ernesto Coelho, Sousa Santos e Joaquim
Freitas, do FC Porto. Conjunto dos participantes, em pose junto ao famoso
Anquetil, e ampliação separada do grupo do FC Porto =
De seguida, estando em boa forma e numa fase de afirmação,
teve inclusive uma boa campanha na maior prova do ciclismo português. Conforme
descreve também: «-Na Volta de 1964 classifiquei-me em 18º lugar da geral, o
que foi uma boa classificação, mas a três dias do fim perdi o 4º lugar da
classificação geral em que estava por ter tido um azar com a bicicleta e, no
atraso derivado, não ter havido normal ajuda de colegas, devido ao interesse da
equipa, estando ao mesmo tempo em jogo a luta pela camisola amarela que Joaquim
Leão conseguiria, pois seguia em posição de poder vencer a Volta, como
felizmente foi conseguido.» Tendo assim Ernesto Coelho sido sacrificado, vítima das circunstâncias, em prol dos superiores interesses da equipa.
= Na apoteose à vitória de Joaquim Leão, lá estava Ernesto Coelho a seu lado.
De permeio tinha havido
outros clubes interessados, conforme Ernesto Coelho diz: «-Recebi convites do
Benfica, do Sporting e do Académico, mas nunca saí do FC Porto». O que foi
verdade, enquanto correu em Portugal.
Viveu de permeio durante dois anos em Vizela a seguir ao casamento e o
seu filho mais velho nasceu aí. Na terra do famoso pão de ló bolinhol, onde tem
muitos amigos e se sente vizelense.
Na Volta de 1964 fez então parte pela última vez de tal lote
de ciclistas, que deram cartas na grandíssima prova que todos completaram. Como
nos lembramos do que diziam uns versos
populares, celebrativos da vitória portista na Volta de Joaquim Leão:
«…À frente Porto ao ataque /
a subir, sempre a subir / com o Leão em destaque / e Mário Silva a
fugir… / Ernesto Coelho e Cardoso /atentos no pelotão / foi o grupo mais p’rigoso/
e no final o campeão… / É uma equipa portuguesa com certeza / é de certeza uma
equipa portuguesa»!
= Equipa do FC Porto que venceu a Volta de 1964 individual e coletivamemte, terminando com todos os 8 ciclistas com que começou a prova, os que era legalmente permitido inscrever. Aqui, no instantâneo fotográfico, num momento da volta de honra à pista de Alvalade onde terminou a última etapa, com o treinador Onofre Tavares a comandar o esquadrão valoroso.
Após isso, Ernesto Coelho rumou ao estrangeiro, para França.
Era tempo de grande surto de emigração e a vida em Portugal estava difícil. Não
se saía da cepa torta, como dizia o povo. O FC Porto oferecia um bom contrato,
mas olhando ao futuro tinha de pensar bem na vida. - O que o fez ir para França?
A isso Ernesto Coelho relembra: « -Um
amigo indicou-me uma equipa francesa onde eu poderia correr, que era a M.B.K.
Apresentei-me com os meus dados, mas disseram-me que não era uma equipa
profissional. Contudo o patrão da equipa disse que me arranjava trabalho lá e
me pagava dez horas de treino por semana. Perguntei quanto me davam afinal para
vestir a camisola dessa equipa e o patrão indicou, para meu grande espanto, que
me pagava 8.500 escudos por mês (atualmente 42.50 euros, mas melhor ainda com o
câmbio desse tempo, além da diferença do custo de vida) e podia ficar ainda com
os prémios monetários das corridas. Fui ganhar quatro vezes mais do que ganhava
no Porto e ainda me arranjaram um bom emprego. Havia meses que tirava 15 contos
(75 euros) no ciclismo, com os prémios das corridas incluídos.
Ernesto Coelho correu durante seis anos lá e trabalhou cerca
de 40 anos na mesma fábrica, empresa Patriarche et Kriter, juntamente com a
esposa. Era mecânico e saiu dessa fábrica apenas para a reforma. Vive em
Sainte-Marie-la-Blanche, em solo francês.
Atualmente radicado na França, vive cá e lá, como se diz, contudo a maior parte do ano vive onde sua descendência está, enquanto vai fazendo visitas frequentes a Portugal e particularmente a Vizela, terra de onde a esposa é natural e é afinal sua cidade de coração, embora sendo natural de S. Martinho do Campo-Santo Tirso. Instalando-se temporariamente em Guimarães, durante parte do tempo que passa em Portugal. E, felizmente, está rijo e de bem com a vida. Como o vi em minha casa recentemente.
De seu percurso desportivo juntamos algumas imagens e
recortes de jornais, como ilustração. Pois, guardando recortes colecionam-se
memórias…em diálogo com factos memoráveis, dignos de perdurar e passarem além
do passado. Como escreveu o historiador desportivo Alcino Pedrosa, “cada
recorte leva-nos a reviver um passado, um passado por vezes esquecido, que
necessita de ser reescrito, antes que se perca irremediavelmente”.
= Ernesto Coelho junto a alguns dos trofeus de sua carreira. Entre os quais esta taça em porcelana, que se vê quase ao centro, o Ernesto vai oferecer
proximamente ao Museu do FC Porto (como o autor destas linhas já informou para o
museu), sendo uma peça ganha em Coimbra em 1962, no decurso do Lisboa-Porto desse
ano, por ter sido primeiro a passar na meta volante instalada na cidade dos doutores no
decurso dessa clássica que foi tradicional entre as maiores corridas portuguesas. =
Posto isto, como no outono caiem as folhas da natureza mas depois nascem outras em seu lugar, deixamos ao conhecimento público estas memorizações, por quanto a história natural será sempre algo mais renovada.
Ao longo desta narrativa, deveras extensa para fazer a
devida justiça ao que pensamos de Ernesto Coelho, fazemos deste modo uma vénia
a este antigo ciclista que ainda é das grandes referências do ciclismo nacional
e sobretudo portista – o Ernesto Coelho, participante com a camisola do Futebol
Clube do Porto em diversas Voltas a Portugal e vencedor de etapas e diversas
outras provas. Um homem que ficou grato a Afonso Pinto de Magalhães por ter
passado a tropa perto e assim ter continuado a correr pelo Porto, além de,
enquanto militar, assim ter podido continuar a namorar com a mulher, com quem
casou e forma um bonito casal. Tal qual tem bem presente na cabeça tudo do seu
tempo de ciclista, correndo agora mais com os sentidos mas de igual forma ágil
física e mentalmente. Um senhor simpático que tive o prazer de receber e tenho
muito gosto em ter como amigo.
Armando Pinto
((( Clicar sobre as imagens, para ampliar )))
Sem comentários:
Enviar um comentário