Reconstituição Histórico-documental da Vida do FC Porto em parcelas memoráveis

Reconstituição histórico-documental da Vida do FC Porto em parcelas memoráveis

Criar é fazer existir, dar vida. Recriar é reconstituir. Como a criação e existência deste blogue tende a que tenha vida perene tudo o que eleva a alma portista. E ao recriar-se memórias procuramos fazer algo para que se não esqueça a história, procurando que seja reavivado o facto de terem existido valores memorávais dignos de registo; tal como se cumpra a finalidade de obtenção glorificadora, que levou a haver pessoas vencedoras, campeões conquistadores de justas vitórias, quais acontecimentos merecedores de evocação histórica.

A. P.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Franklim Cardoso (1924 - 1972): Histórico e icónico Diretor Desportivo da era vitoriosa do ciclismo do FC Porto na primeira metade dos anos 60!

 

Nas diversas fases do ciclismo portista, modalidade em que o clube azul e branco se foi tornando detentor de melhor palmarés nas provas nacionais mais importantes, houve um período de grande supremacia ainda nos tempos das equipas apenas de clubes, antes do surgimento de firmas patrocinadoras associadas. Como foi na parte final dos anos 50 mais inícios da década de 60, no romântico século XX. Em cujo decorrer das épocas das corridas de ciclismo competitivo se salientou Franklim Cardoso, em lugar de destaque no comando do ciclismo do FC Porto, sobretudo na primeira metade dos mesmos anos 60. Tendo sido com esse icónico senhor do ciclismo que ocorreram as vitórias na Volta a Portugal de Sousa Cardoso, Mário Silva e José Pacheco, em 1960, 1961 e 1962, respetivamente.

É pois sobre Franklim Cardoso que desta vez se procura fazer memória aqui. Cujo nome, como curiosidade e para não haver equívocos, no bilhete de identidade constava escrito como Franquelim, mas ele próprio escrevia e assinava como Franklim nos jornais onde era comentador de ciclismo. E inclusive constava de cartões oficiais identificativos de funções (livres trânsitos).

Franklim Cardoso, inicialmente e durante muitos anos exerceu funções de juiz de chegada nas Voltas a Portugal, sendo além desse desempenho também um profundo conhecedor da modalidade. 


 = Sequência de imagens das funções de Juiz e Cronometrista, quer no tempo do grande ídolo do ciclismo Fernando Moreira (foto de cima) como de Dias dos Santos (penúltima foto, em baixo).

Fruto dessa envolvência chegou em 1960 a ser selecionador nacional. Bem como grande Portista, sendo sócio do FC Porto (assim como também era associado pagante do Académico do Porto e do S. C. Vasco da Gama). Até que passou depois a estar ligado ao FC Porto, inicialamente como Dirigente da secção do ciclismo e depois ficou a ser Treinador/"Orientador técnico" dos ciclistas do FC Porto, cargo que desempenhou com maestria durante 4 anos.

Então, sob o seu comando, conquistaram os ciclistas do FC Porto “retumbantes triunfos nas provas nacionais de maior projeção”. Além de ter contribuído para uma melhor organização da Secção de Ciclismo do FC Porto, nesse tempo, tendo convidado para componentes da secção grandes sócios portistas que se revelaram autênticas dedicações, como Manuel Fernandes Almeida e Serafim Mota.

= Equipa de Ciclismo do FC Porto no início da ligação de Franklim Cardoso ao FC Porto, cerca de 1960. A seu lado (à esquerda da foto) o massagista Lopinhos, e, do outro lado, Azevedo Maia, Artur Coelho, Mário Sá, um diretor, Carlos Simão, Carlos Carvalho e outro diretor; tendo em baixo, depois de dois colaboradores da equipa, Sousa Cardoso, Emídio Pinto, Pedro Polainas e Sousa Santos. 

Franklim Augusto Rodrigues Cardoso, como era seu nome completo, nasceu a 9 de fevereiro de 1924, em Tabuaço. 

Foi praticante de atletismo nas camadas jovens do "Operário" (Clube de Futebol Operário), clube também da área do atletismo portuense, disputando os campeonatos regionais com atletas do FC Porto e do Académico, sobretudo. 

Após isso e já adulto, foi mais tarde fundador da Comissão Regional de Juízes e Cronometristas de Ciclismo, do qual foi Presidente em 1952 do Centro Regional do Norte, da Associação de Ciclismo do Norte. 

Isso tudo de permeio com funções jornalísticas de crítico (comentador, conforme atualmente se diz) da modalidade, como conhecedor profundo desse desporto das bicicletas de corrida, a que praticamente consagrou a maior parte da sua vida. Tendo depois, na sua faceta mais apreciada historicamente, passado a Técnico de ciclismo, cargo ao tempo referido como Treinador ou Orientador Técnico e hoje Diretor Desportivo. Ficando à frente da responsabilidade orientadora da equipa do FC Porto, durante o período áureo da era antiga do ciclismo portista, no tempo da categoria dos Independentes (mais tarde chamados Profissionais e de Elite), a orientar o famoso lote de ciclistas que ia desde Sousa Cardoso, Artur Coelho, Emídio Pinto, Sousa Santos, Carlos Carvalho, Ernesto Coelho, José Pinto, Azevedo Maia, Mário Silva, José Pacheco, Mário Sá, Júlio Abreu, Albino Alves, etc.

Antes e depois de ter sido treinador, Franklim Cardoso era colaborador do jornal portuense de difusão nacional “O Primeiro de Janeiro”, no qual deteve a seu cargo durante longos anos a rubrica sobre ciclismo. Onde foi revelando em seus escritos uma verdadeira competência e isenção exemplar. Mais tarde foi também colaborador assíduo dos jornais “O Norte Desportivo” e “Diário Popular”, bem como espalhou diversa colaboração apreciada por outros jornais do país, como por exemplo o jornal Reportagem. Assim como foi colaborador do jornal O Porto, ao tempo órgão oficial informativo do FC Porto.

= Na sua função de jornalista, ao tempo como repórter dos jornais O Norte Desportivo e O Porto, Franklim Cardoso entrevistando (da esquerda para a direita) Onofre Tavares, Carlos Carvalho, Artur Coelho (camisola amarela de vencedor do Grande Pémio Vilar, de 1959) e Sousa Santos, anotando as suas impressões para reportagem que foi publicada n'O Porto (sendo esta foto original de papel, naturalmente, da qual deve ter sido copiada a imagem em zincogravura para a impressão, como era usual nesses tempos).

De sua passagem pelo ciclismo, além de sua característica de bom organizador da retaguarda de trabalho como conseguiu na Secção de Ciclismo do FC Porto, teve também impacto a sua forte personalidade de defensor de seus ciclistas e do clube que representava. Quão aconteceu na Volta a Portugal de 1961. Cuja ocorrência tem de ser referida com algum pormenor para se lhe fazer justiça.

Embora a modalidade das bicicletas não tenha árbitros, tem juízes e diretores de corrida, mais dirigentes das cúpulas institucionais. E por vezes outras circunstâncias que se intrometem. Ora, como o FC Porto dominava o panorama do ciclismo português e havia muitas invejas disso, surgiu na Volta a Portugal de 1961 um caso que deixou dúvidas e levantou fortes suspeitas. Tendo a equipa do FC Porto sido intoxicada na comida servida na pensão em que pernoitou, e como tal ficado enfraquecida. Então, sendo oficialmente dado como se fosse gastroenterite diagnosticada pelo médico da caravana (embora na comunicação social atirassem que foi por ingestão de líquidos gelados), a verdade é que os corredores do FC Porto no dia seguinte tiveram de chegar tarde ao local da partida da 8ª etapa Tavira-Beja, da “Volta”, depois de uma noite em que ninguém da comitiva do clube nortenho pregou olho. Apressando-se os diretores portistas a avisar o pessoal da organização da Volta sobre o facto e solicitando compreensão para alguns minutos de espera. Mas, com a pressa de deixarem os ciclistas azuis e brancos de fora, foi dado início à etapa sem que a equipa do FC Porto ainda tivesse chegado à meta da partida. Tendo depois os ciclistas do FC Porto que conseguiram chegar ao local então iniciado a corrida com substancial atraso, reduzidos no grupo também por naturais desistências. Pois, apesar de todos terem sido intoxicados, alguns ficaram mesmo em pior estado. Sucedendo que os ciclistas que estiveram em piores condições, com diarreias, vómitos, tonturas e febre, terem sido obrigados a nem começar a etapa e outros a desistir nessa “etapa maldita”. Havendo assim abandonado a prova Artur Coelho, Júlio Abreu, José Pinto, Ernesto Coelho e Azevedo Maia. Porém, os que restaram da equipa, apesar do grande esforço de recuperação, não se deixaram vencer pelo desespero e quatro dias depois, no final da etapa da Covilhã para a Guarda, Mário Silva conquistou a camisola amarela. 

Este caso da intoxicação dos corredores portistas teve, no entanto, repercussões disciplinares devido ao facto do diretor da equipa do FC Porto, Franklin Cardoso, ter reclamado em público diante do diretor da corrida, pela indiferença que revelou perante o drama vivido pelos seus corredores, o que, naturalmente, justificava perfeitamente que a partida tivesse sido atrasada. Mas, como nesse tempo também quem podia mandava… isso valeu-lhe uma suspensão temporária oficial. Enquanto, como espécie de compensação de vingança servida a frio, resistindo a todas as adversidades e a todos os ataques (incluindo ter sofrido um furo perto da meta na etapa terminada no Porto, e por isso teve de entrar na pista do estádio a pé, perdendo 21 segundos), o ciclista do FC Porto Mário Silva, ajudado pelos colegas resistentes, ganhou a Volta com 57 segundos de vantagem sobre o 2º classificado, o italiano Marcoletti (da Ignis), deixando a grande distância de 23 minutos e 25 segundos o 3º, Alberto Carvalho (do Académico). 

= Reportagem da Vitória de Mário Silva, do FC Porto, na revista lisboeta Flama.

Sintomático, desse comportamento dos resistentes portistas na Volta de 1961: Sousa Cardoso, vencedor da Volta do ano anterior e principal favorito até ter adoecido, devido à intoxicação alimentar, acabou por se classificar em 12º da geral individual, à frente até de Alves Barbosa, que era um dos favoritos da comunicação social. Tendo a equipa do FC Porto chegado ao fim apenas com Mário Silva, Sousa Cardoso, Carlos Carvalho, Sousa Santos e José Pacheco.

= Equipa de asssitência e funções organizativas, enquanto acompanhantes de Franklim Cardoso na Volta de 1961, com todos os colaboradores, desde seu adjunto, mais dirigentes, médico, massagistas e mecânicos.

No ano seguinte repetiu-se nova vitória portista, ainda de forma mais convincente porque toda a equipa chegou ao fim, sendo José Santos Pacheco o vencedor individual e a equipa do FC Porto vitoriosa por equipas, nessa Volta a Portugal de 1962.



= Na cerimónia de entrega das taças ganhas pelo FC Porto na Volta a Portugal de  1962, com José Pacheco e Franklim Cardoso junto aos dirigentes federativos e diretores do FC Porto. Ao lado do Técnico Franklim, também alguns dos ciclistas da equipa (a partir da esquerda: Ernesto Coelho, Sousa Santos, Azevedo Maia, Mário Miranda, Mário Silva e Mário Sá). Não aprecendo na imagem, por exemplo, Sousa Cardoso, que porém estava presente na ocasião, como se pode ver pela imagem do jantar de homenagem à equipa vencedora da Volta - em que, como Chefe de fila, ficou entre Franklim Cardoso e o vencedor da Volta José Pacheco.


Em 1963 não foi possível reeditar a dose, que ia já numa bela série consecutiva. Nesse ano o Sporting, invocando a lei militar indevidamente, porque tinha nos altos quadros militares oficiais de sua direção, conseguiu desviar o vencedor da Volta anterior, de modo que José Pacheco correu pelo Sporting nas duas épocas seguintes (apesar do FC Porto bem ter reclamado e recorrido, nesse tempo do Estado Novo... Contudo nessas mesmas temporadas Pacheco não teve sucesso com a camisola das listas verdes e assim regressou ao Porto dois anos depois, para iniciar 1965, porém já em fora de forma e consequentemente de carreira). Acrescendo na Volta de 1963 ter havido desistências por aparatosas quedas de alguns ciclistas azuis e brancos, como Mário Silva e Sousa Cardoso, acabando a equipa deveras enfraquecida.


= Franklim Cardoso com Joaquim Leão e Joaquim Freitas, em 1963. 

= Pose em dia de Festival Internacional de Pista nas Antas, em setembro de 1963 - com a presença de dois famosos ciclistas estrangeiros, o ciclista francês Jacques Anquetil (ao centro - o melhor ciclista desse tempo em que foi dominador da Volta a França) e Silvilloti (do lado esquerdo da foto ), estando esses dois ciclistas mundiais acompanhados por (em cima e a partir da esquerda) José Pinto, Azevedo Maia e um diretor; (em baixo) Joaquim Leão, Mario Miranda e Franklim Cardoso.

Em 1964, já apenas como jornalista, Franklim Cardoso acompanhou a vitória de Joaquim Leão. Cujo triunfo foi vitoriado por todos os lados onde pulsavam sentimentos Portistas e sobremaneira teve apoteose na chegada dos ciclistas e responsáveis à cidade do Porto. Como foi publicado no jornal O Porto, em reportagem ilustrada com significativa foto.

= Consagração popular dos vencedores da Volta a Portugal de 1964, à chegada ao Porto - tendo o FC Porto ganho a Volta categoricamente, a nível individual por Joaquim Leão, e coletivamente por equipas com os 8 ciclistas que começaram e acabaram a Grandíssima portuguesa. 

Mesmo depois de ter deixado de ser Orientador Técnico da equipa, Franklim Cardoso continuou a conviver e a manter estreita amizade com todos os seus antigos pupilos. Como no caso de bodas e festas familiares em que era convidado. Conforme os casos (identificados por duas fotos correspondentes) dos casamentos dos ciclistas Mário Silva e Ernesto Coelho - em que, junto com a esposa, foi conviva lado a lado com os ciclistas companheiros dos noivos e seus amigos particulares. 

Passados anos, em Maio de 1969 Franklim Cardoso foi homenageado pela Associação de Ciclismo do Porto com a realização do “Prémio Franklim Cardoso”, prova e trofeu com seu nome, corrida no domingo 11 desse mês. Ocasião em que foi agraciado com a medalha de honra da mesma entidade, pelas mãos do então Presidente da mesma Associação António Fernandes, em ato representado oficialmente por esse também histórico dirigente associativo.

Sinal do apreço em que era tido, tempos depois foi em 1971 convidado para ser o Diretor de corrida do III Grande Prémio Fagor, em Moçambique, onde dirigiu essa importante prova de 10 etapas em Junho desse ano de 1971. Ali, também na ocasião, proferiu então em Lourenço Marques uma série de palestras sobre ciclismo, por via de seus vastíssimos conhecimentos da modalidade.

Faleceu a 5 de setembro de 1972, com 48 anos, em sua residência, no Porto. Tendo seu funeral tido grande acompanhamento, em manifestação pública significativa de apreço, desde a igreja da Trindade, onde se realizaram as cerimónias fúnebres, até ao campo santo onde repousou, ficando sepultado no cemitério do Prado do Repouso, na cidade do Porto.

No dia de suas exéquias, o “Primeiro de Janeiro”, em crónica evocativa, referiu-se-lhe afirmando: «Desapareceu uma figura muito conhecida do meio desportivo, mais exatamente na velocipedia nacional». Acrescentando, sobre sua veia jornalística de colaborador-comentador de ciclismo: «Era, acima de tudo, um camarada, um amigo. Leal, afável, fez amigos por toda a parte e pode dizer-se dele que, como desportista, foi um dos poucos que não conhecem adversários, no sentido do termo que pressupõe oposição.» Tal qual, referente aos triunfos como treinador do FC Porto «até nesses momentos os aplausos e outras manifestações de admiração e simpatia lhe eram dirigidos por técnicos, dirigentes, atletas e adeptos de coletividades concorrentes».

Mais tarde, em crónica jornalística de semblante saudosista, Ângelo Granja considerava Franklim Cardoso «eventualmente o homem que, na sua época, mais sabia de ciclismo, a nível nacional e conseguiu demonstrá-lo pelo que escreveu e pelo que fez, como Técnico do FC Porto e Selecionador nacional.»

= Homenageado ainda em vida, com colocação na lapela duma distinção oficial, de que se encarregou como representante federativo o presidente da Associação do Porto António Fernandes; e recebendo uma distinção também do FC Porto, pelas mãos do então presidente do Clube,  José Nascimento Cordeiro.

~~~ ***** ~~~

Eterna saudade e constante recordação! 

= Imagem com o filho, quando ainda criança - e agora senhor que colaborou com este trabalho, mediante simpático empréstimo das fotografias - e muito material mais, que naturalmente ficará para outras ocasiões pertinentes...

Armando Pinto

((( Clicar sobre as imagens )))

Sem comentários:

Enviar um comentário