Viviam-se os tempos deveras famosos da década dos anos
sessentas, com o desporto português à sombra do regime político e o coletivismo
no limbo social do deixar andar, que outra coisa não havia. Tanto que a
Federação Portuguesa de Futebol era uma coutada, circunscrita a presidências
destinadas alternadamente a Benfica, Sporting e Belenenses, num estado como tal
conhecido por sistema BSB. Enquanto o F C Porto só conseguia meter lá alguém na
vice-presidência ou nos lugares de vogais, mas com esse representante até a ter
de residir em Lisboa. Passando-se os anos sem o FC Porto conseguir vencer no futebol
o campeonato principal, tal o que ia acontecendo na calada nacional – ao invés
da superioridade manifesta em ciclismo, onde não havia árbitros, mas mesmo
assim ainda por vezes aconteciam peripécias raras (como no ano em que uma etapa
da Volta a Portugal em bicicleta começou à pressa antes que a equipa do FC
Porto chegasse ao local de partida, devido a surto doentio por alergia
alimentar que atacara a comitiva portista, não tendo depois os ciclistas azuis
e brancos outro remédio senão irem atrás dos outros, em redobrado esforço de perseguição)
… E foi assim, na peugada necessária, que finalmente o FC Porto logrou enfim vencer
uma prova oficial do futebol nacional, a Taça de Portugal em 1968.
Faz agora 50 anos, neste dia em que escrevemos ao sabor da
lembrança desta evocação, que aconteceu finalmente essa vitória, durante anos
tão desejada. A primeira de que me lembro (de memnória pessoal), a tal que ficou para sempre especial.
Chegara o FC Porto à final graças a uma campanha de grande
nível no percurso da Taça de Portugal, então a duas mãos em todas as jornadas, tendo
nas respetivas eliminatórias ultrapassado primeiro o Beira-Mar, com duas vitórias
por 2-1 e 2-0, depois o Varzim com mais duplo triunfo por 4-0 e 5-1, também o
Covilhã com 4-0 e 5-0, até que nos quartos de final venceu o Belenenses nas
Antas por 3-1 e empatou no Restelo 0-0, para nas meias finais ter eliminado
concludentemente o Benfica, havendo ido empatar 2-2 a casa dos encarnados e
vencido no Porto por claros 3-0.
Encontrava então o FC Porto como opositor na final o Vitória de Setúbal, com o clube sadino a repetir pela quarta vez consecutiva a presença no jogo da atribuição da Taça, depois de duas finais ganhas e uma perdida, nesse período de grande permanência na festa de consagração no chamado estádio nacional, contando boas recordações das finais disputadas com o Benfica de Eusébio, Torres, Coluna, etc, e a Académica de Artur Jorge, Maló e Cª, contrastando na exceção tida com o Braga do guarda-redes Armando e Perrichon. E o FC Porto com uma grande equipa, mantida nos anos da presidência de Pinto de Magalhães, contando com Américo, o melhor guarda-redes português ao tempo e ainda na mesma temporada declarado vencedor do Prémio de melhor da época, mais o cabecinha de diamante Custódio Pinto, o famoso artilheiro Djalma, o carismático extremo esquerdo Nóbrega, os tão admirados Pavão e Rolando, mais o fogoso Atraca, o valente Valdemar, o Jaime ventoinha de velozes raides, mais o Bernardo da Velha que se soube impor na defesa e o Eduardo Gomes que só sabia jogar bem ao serviço da equipa.
Dessa célebre final, que fez ponte na transição da memória dos tempos coevos à ocorrência, além do material preservado intimamente, há algo mais que está guardado no Museu do FC Porto, como é o caso do livro de programa da final - um documento de grande valor estimativo e memorial. Onde ficaram impressos dados e curiosidades dessa jornada refastelada no frondoso Jamor característico do regime dessas épocas.
Era e foi, pois, uma jornada épica.
No texto da comunicação quotidiana do FC Porto, em Dragões
Diário”, isso ficou bem resumido, assim:
« Aconteceu
Entre 1959, ano em que foi conquistada a ‘Liga Calabote’, e
1976, quando Jorge Nuno Pinto da Costa se tornou chefe do departamento de
futebol e José Maria Pedroto regressou ao clube como treinador, o FC Porto
conquistou apenas um título no futebol sénior. Foi a Taça de Portugal e foi há
precisamente 50 anos. A 16 de junho de 1968, em Oeiras, os Dragões enfrentaram
o Vitória de Setúbal e até entraram no jogo a perder, mas Valdemar e Nóbrega
assinaram os golos da reviravolta. A Taça, entregue por Américo Thomaz ao
capitão Custódio Pinto, viajou mesmo para o Porto de avião, juntamente com a
equipa. Em Pedras Rubras, os ‘bravos do Jamor’, como ficaram conhecidos, foram
alvo de uma receção apoteótica.»
De tudo isso, estando ainda na ideia e permanecendo pelos
tempos na retina da memória tal proeza, de que resultou uma alegria que encheu
o peito pelos tempos além, melhor que quaisquer mais frases descritivas à
posteriori, falam as narrativas que por esses dias vieram na imprensa. De cujo
acervo de arquivo do autor se dão aqui à estampa alguns recortes, quer da revista
Flama, como do jornal O Porto e do Jornal de Notícias.
Passam diante dos olhos da recordação imagens e memórias da conquista dessa Taça inesquecível, numa enchente de vitalidade portista. Deixando-se, por isso, escorrer bagas do entusiasmo derivado, na lembrança transmitida por imagens documentais.
Naqueles dias causou estranheza o facto da RTP não se ter
dignado transmitir o jogo, sabendo-se que a mesma televisão portuguesa, ao
tempo de um só canal e de domínio estatal, tinha feito transmissões diretas
das anteriores finais. Havendo então, no dia, apenas passado à noite umas
imagens alusivas no programa Domingo Desportivo, com que se encerrava o
cartaz diário dos serões televisivos nacionais. Daí uma das achegas (em tempo de censura oficial) com que houve forma de criticar o caso, através duma rubrica do jornal do clube, n' "O Porto a rir":
Do que resta, de imagens gravadas, pode ver-se um resumo da partida, conforme
consta em filme
(clicando aqui de seguida)