Estamos em Janeiro. Tendo passado por nós já muitos
janeiros e vivido sucessivamente tantos períodos de Janeiro e janeiro. Desde
quando os meses se escreviam com maiúscula na primeira letra, até agora que são
totalmente em minúsculas.
Janeiro costuma ser um mês algo amorfo, atendendo a ter
ficado para trás o Natal e toda a magia envolvente, além de se tornar evidente
ter passado mais um ano e ver-se o tempo a escoar na ampulheta da vida.
Acrescendo ser temporada fria, ambientalmente e nas atrações sociais, vulgo ser
tempo de saldos e pouco mais, a bem dizer. Enquanto, ao nível pessoal e
coletivo, se juntam diversas ocorrências extensivas.
Assim sendo, vem à lembrança (e não mais esquece), ao chegar o meio do mês, quando há trinta e
tal anos tivemos no mundo portista uma grande alegria com a conquista da até agora única Supertaça
Europeia do futebol português, e, ainda com os jornais desse feito em mãos, vi
falecer minha mãe. Tal como pouco antes, quando o FC Porto venceu a Taça
Intercontinental na epopeia do nevão de Tóquio, tornando-se Campeão Mundial, tinha eu minha
esposa internada no S. João do Porto. Tendo em mim presentes as palavras do
presidente Nuno Pinto da Costa sobre então haver pessoas a passar momentos
difíceis mas que sentiam algo mais com as vitórias do FC Porto.
Tudo isso se junta a outras ocorrências. Bastando lembrar um
caso: Muito antes, andava eu nos meus primeiros tempos de escola primária,
soube do falecimento do treinador do FC Porto e fiquei sem apetite de brincar no
recreio…
Ora, foi a 11 de janeiro de 1962 que se deu esse infausto
acontecimento. Quando faleceu na sua casa na cidade do Porto, aos 60 anos, um
dos mais famosos homens do futebol internacional, como técnico de então e antigo
jogador, o húngaro GYÔRGY (Jorge) ORTH, que nesse tempo era treinador do FC
Porto e de modo inesperado o foi apenas até à 12.ª jornada do Campeonato Nacional.
Falecido ao regressar à sua residência no Porto, depois de ter orientado um treino matinal de preparação para o jogo que se seguiria.
Nessa época de 1961/1962 o FC PORTO fazia ainda uma travessia no deserto dado que até então se encontrara numa crise de diversos níveis, estando ao tempo a começar por superar tal período com o aparecimento de bons resultados pela equipa de futebol, graças ao trabalho do treinador contratado, o qual remodelou a equipa dando lugar a alguns dos novos que estavam à espera de oportunidade, numa mescla de reforço com outros bons valares que ainda se mantinham da geração anterior; e através da influência da vinda do ponta de lança brasileiro Azumir, que acabaria o campeonato como o melhor marcador com 21 golos.
Tendo no início do campeonato a equipa do FC Porto passado por fase irregular, como demonstravam vários empates obtidos, foi-se depois reencontrando, sobretudo com a entrada de Azumir, quando já decorriam algumas jornadas. E mais começou por levantar a cabeça com os numerosos golos marcados e decisivos da tripla de sucesso que se formara entre Azumir, Pinto e Hernâni. Porém, quando estava a crescer o entusiasmo, pela confiança provinda da boa campanha da equipa, após varias vitórias consecutivas, o FC PORTO perdeu em casa da Cuf, no Barreiro, facto que trouxe alguma preocupação nas hostes portistas, embora continuando na luta pelo titulo, pois nada estaria perdido. Na semana em que o FC Porto preparava o jogo seguinte e após o primeiro treino pós jogo do referido desaire, Orth desfaleceu na sua casa e acabou por falecer com um enfarte cardíaco. Cobriu-se de luto todo o mundo portista e o plantel do futebol do clube sentiu o desenlace. O seu funeral, realizado na cidade do Porto, resultou em espontânea manifestação pública de apreço coletivo, sendo sepultado no cemitério portuense de Paranhos, onde depois ficou em mausoléu que faz parte do património do clube.
Associado o tema de Jorge Orth a janeiro, nem só pelo frio ambiental naturalmente prevalece o primeiro mês do ano, estando como está também ligado ao triunfo da Supertaça Europeia, anos volvidos. E o que até pode advir ainda este mês, mais... contando possíveis boas novidades também.
Quanto ao facto de Jorge Orth, voltando atrás, ele foi então e ficou como figura grada no percurso clubista, detendo certa aura devido a não ter tido tempo de levar o seu trabalho mais além, digno de permanecer na memória alvi-anil, entre os que da lei da morte se libertaram na História do F C Porto.
Orth chegara ao Porto em tempos de vacas magras, como se diz normalmente quanto a um sentido de menor fulgor e enfraquecimento. Porque, depois do título alcançado em 1958/59, não houve uma diretriz capaz de manter o ritmo e logo na época seguinte o F C Porto se quedou num modesto 4º lugar, depois da traição de Guttmann (que se passou de armas e bagagens para o Benfica, inclusive desviando para aquele rival lisboeta o barreirense José Augusto, entre outras artimanhas), enquanto em 1960/61 terminou em 3º lugar e ainda perdeu a final da Taça de Portugal, de modo surpreendente e escandalosamente contra o Leixões, no estádio das Antas. Então, a Direção do clube fez um esforço para preparar a época seguinte, entregando para 1961/62 o leme da equipa das Antas ao treinador chamado Gyorgy Orth.
Tratava-se de um técnico de futebol húngaro, com sessenta anos de idade e trinta de carreira. Este foi o homem-chave para a época que se avizinhava, que até nem começou lá muito bem. Nos primeiros cinco jogos, a equipa conquistou apenas 5 pontos. Mas depressa soube dar a volta. Como se costuma dizer que depois da tempestade vem a bonança, e quem porfia sempre alcança, houve frutos do facto de dentro do clube então ter-se sabido esperar; pois, após a série de maus resultados, logo que foi adquirido um avançado de raiz, a equipa treinada por Orth somou seis vitórias seguidas. E passou a haver um clima de quase euforia, de grandes esperanças, em suma.
Orth revolucionou o futebol do F C Porto, com sangue novo. Pôs a jogar uma nova vaga de futebolistas, passando Américo para guarda-redes titular, apostando em Pinto, o jovem Custódio Pinto que viera do Montijo e passou a jogar ao lado do experiente Hernâni, fez Serafim aparecer e começou a substituir antigos astros por jovens promessas, como Jaime, Festa, Paula, etc., bem como, de modo mais vincado, fez vir do Brasil o atacante que faltava, um avançado de jeito, para colmatar a falta de um goleador-matador (nesse tempo chamado avançado-centro), recaindo a escolha em Azumir, cuja eficácia depressa deu resultados.
Efetivamente o futebol do FC Porto estava em fase de transformação e renovação. Por exemplo começava a chegar ao fim a carreira do grande Hernâni, mas ainda em seu grande nível.
= Hernâni =
A propósito recorde-se o que há alguns anos escreveu António Tavares-Telles sobre Hernâni Ferreira da Silva:
«…o Hernâni, um dos maiores jogadores, se não o maior, com Eusébio (e Pinga acrescentamos), que o futebol português produziu: quem viu, viu, quem não viu, não volta a ver!
Era de facto um génio: intermitente, parecendo às vezes alheado do jogo, num ou vários repentes resolvia a questão. Um defesa disse um dia, a seu respeito: “É o avançado mais fácil de marcar de todos: durante oitenta minutos, não se faz nada, que ele também não faz. Durante os restantes dez, também não se faz nada, porque é impossível fazer alguma coisa!”
No final da carreira, a que aliás pôs termo muito cedo, foi (com o grande treinador Jorge Orth) o “patrão” de uma equipa jovem, que fez brilhar a grande altura: entre outros, é claro, Jaime, Custódio Pinto, Azumir e, sobretudo, Serafim…»
Estava a vencer a aposta no húngaro Gyorgy Orth, que já tinha treinado em Itália, França, Argentina, Colômbia, México e Peru. Que ao comando técnico da equipa azul e branca colocou o F C Porto na discussão do título e passou a ser considerado cidadão portuense, pela simpatia granjeada, tendo mesmo passado a ser chamado de Jorge.
Mas os deuses não estavam com o F C Porto e Jorge Orth faleceu repentinamente, interrompendo essa linda caminhada que vinha tendo no F C Porto. Havendo ainda orientado a equipa na 12ª jornada, jogada no Barreiro contra a Cuf. Depois… Foi a 11 de Janeiro de 1962. Nesse dia de inverno aconteceu a tragédia. Findo o treino matinal, Orth foi para casa e, sem que ninguém contasse, morreu de fulminante ataque cardíaco. Apagando-se assim seu fio de vida e já não voltou a treinar.
A cidade do Porto cobriu-se de luto. E todo o mundo Portista ficou abalado.
Na biografia de Américo, em número coevo da coleção Ídolos do Desporto, ficou narrada a evolução e funesta situação verificada:
O funeral de Jorge Orth foi uma manifestação de pesar impressionante. Toda a estrutura do F C Porto se incorporou no préstito, e a equipa não largou a urna, sendo transportado o apreciado mestre pelas mãos de seus atletas que, à vez, se revezaram a pegar no esquife contendo seus restos mortais, até à última morada.
Foi sepultado no cemitério de Paranhos, em túmulo que ficou como propriedade do F C Porto – a que se reporta a imagem, aqui junta.
Seguiu-se, pouco tempo depois, o tal Sporting-Porto em Lisboa. E os homens das Antas dedicaram esse jogo ao saudoso treinador...
Aí Azumir marcou um golo, o único do encontro, que, aliado a grande exibição de Américo, Hernâni, Serafim, Pinto, Arcanjo, Virgílio, Festa, Ivan, Paula e Jaime, permitiu importante e marcante vitória. Na linha até do que antes se passara por entre emoções da despedida.
Na verdade, durante o seu funeral, o jogador portista Azumir assumia vingar o sucedido com o título no campeonato. O que não conseguiu, por abaixamento evidente do rendimento da equipa, com o lugar responsável do banco ocupado por Francisco Reboredo. Embora mantendo-se na discussão do primeiro lugar até à última jornada, quando uma derrota do FC Porto em Guimarães, com uma deplorável arbitragem, como era costume, deitou tudo a perder. Apesar disso, como consolação, no final da época o avançado brasileiro Azumir sagrou-se o melhor marcador do campeonato, tendo apontado 23 golos em 20 jogos e o FC Porto ficou-se pelo 2º lugar a 2 pontos do Sporting.
= Azumir =
Do plantel, nessa era de renovação, faziam parte os seguintes jogadores: Américo, Rui, Ivan, Paula, Serafim, Virgílio, Miguel Arcanjo, Custódio Pinto, Hernâni, Azumir, Jaime, Festa, Carlos Duarte, Mesquita, Perdigão, Barbosa, Noé, Teixeira, Juca, Monteiro da Costa e Morais. Mas outros estavam na calha, como aconteceu com Nóbrega, a passar por fase de empréstimo para rodagem.
Ora, Nóbrega, entre outros, teve com Orth seu batismo nos treinos de pré-época nas Antas, e ficou com sua carreira algo associada ao que resultou depois, conforme se pode também verificar pelo que expressa o livro que lhe dedicou a coleção Ídolos do Desporto:
Muita água correu entretanto e posteriormente por baixo das pontes da Invicta. Tanto tempo se passou, mas a recordação de Jorge Orth permaneceu nos sentimentos nobres dos fieis adeptos do grande F C Porto. Sendo esse venerando personagem um nome histórico nas brumas da memória Portista.
Armando Pinto
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