Muito se tem na ideia a necessidade de ter de ser bem reforçada a
defesa da equipa principal de futebol do F C Porto para a próxima época de
2016/2017, tal o enfraquecimento que o setor defensivo azul e branco tem
revelado nas últimas épocas, e com mais evidência na temporada finda de 2015/16. Nomeadamente
nos lugares de defesas centrais, que têm de ter outra fibra. Sobretudo na
premência de voltar a haver defesas mesmo de raça portista, como antes houve
bons exemplos. Até porque, lá atrás, um guarda-redes por melhor que seja tem de
ter à sua frente uma defesa que ajude a não sofrer golos. Vindo à lembrança
alguns defesas portistas que foram primeiras figuras do plantel de tempos idos,
uns mais antigos e outros até ainda recentes, entre os que se via que sentiam
bem a camisola, mas também tinham valor para defenderem o clube. Jogadores
daqueles que tornaram simbólico o paradigma dos verdadeiros jogadores à Porto,
de antes quebrar que torcer, bem como decididos e confiantes.
Conhecemos alguns assim, dos que vimos jogar entretanto –
falando no plural, em nome pessoal, aqui o autor destas linhas. Mas sabemos ter
havido outros, muitos mais antes, que jogaram noutros tempos. Aliás a vida não
está tão bem feita como poderia ser, nesse aspeto e numa das perspetivas
humanas, por não se poder andar mais anos cá pela terra. Pois se fosse possível
viver mais (se então houvesse nascido muito antes, desde que por cá ainda
andasse, podendo escrever agora mas também descrever tempos passados) … como
gostaríamos de ter visto jogar alguns daqueles ídolos que deram forma à imagem com
que o F C Porto foi ganhando dimensão no nosso ser, até se ter transformado em Portismo,
como o que se sente sempre com o Porto no pensamento. Mas como a máquina do
tempo ainda não existe, temos de contentar-nos, no caso dos defesas centrais,
em ter visto as gerações duns Rolando, Valdemar, Freitas, Lima Pereira, Eurico,
Celso, Aloísio, Jorge Costa, Fernando Couto, Ricardo Carvalho, Bruno Alves, bem
como antes ouvíamos falar em Monteiro da Costa e outros, assim como entretanto
ouvimos ainda nos relatos radiofónicos o nome de Miguel Arcanjo…
= Diversos cromos com a imagem de Miguel Arcanjo, como figura do futebol, das tradicionais coleções de pequenas estampas dos ídolos dos estádios...
Pois Miguel Arcanjo é um desportista que temos como um
jogador à Porto, um defesa central que foi referência de seu tempo. Jogador que
aos olhos do autor destas linhas, quando criança, era tido como alguém
especial, ouvindo na catequese falar num anjo com esse nome e assim associando
o “Arcanjo do Porto” a um anjo importante, o Arcanjo Miguel (S. Miguel Arcanjo)
de que ouvia seu nome na igreja paroquial… Como aliás ele, o Arcanjo do futebol,
era de facto representante supremo, da defesa do F C Porto.
Num breve esboço biográfico, pode anotar-se algumas
passagens de seu percurso, deitando mão a dois apontamentos descritivos, com
acertos pontuais e salvaguarda de omissão dos nomes dos médicos que tiveram
influência nas suas recuperações, devido a haver referências diferentes e não
convir dispersar atenção ao tema, que é o Arcanjo.
= Arcanjo numa das formações do F C Porto que integrou, ao tempo ainda com alguns elementos da geração de ouro dos anos cinquentas, como Pedroto, Monteiro da Costa, Teixeira, Perdigão, e outros já dos inícios da década de sessenta, como Américo e alguns mais.
Assim sendo, conforme consta de um apontamento do trabalho
de Fernando Moreira em “Dragões de Azul Forte”:
Miguel Arcanjo Arsénio de Oliveira, como era seu nome
completo, nasceu no dia 13 de Maio de 1932 em Nova Lisboa, Angola. Foi um
excelente defesa-central, dotado de boa técnica e sentido posicional, muito
querido dos adeptos do Futebol Clube do Porto onde militou durante 16 anos.
Ingressou no clube em 1950/51 e, pouco depois, foi vítima de
um problema na vista que ter-lhe-ia interrompido a carreira, tendo sido operado
à retina, em 1951, em feliz intervenção que salvou Miguel Arcanjo da cegueira.
O angolano viria a ser um dos maiores jogadores do F.C. Porto.
Mas só com a chegada do treinador Yustrich atingiu o objetivo
de singrar no futebol português. A época de 1955-56, com a obtenção da
"dobradinha" (Campeonato e Taça de Portugal), foi o ponto de partida
para a grande carreira de Arcanjo.
= Recorte de página da revista Dragões, número de Maio de 1986, com testemunhos (de Miguel Arcanjo e Hernâni) aquando da conquista do título nacional de 85/86. =
= Equipa dos Campeões de 1955/56 =
Formou com Virgílio e Osvaldo Cambalacho um
trio defensivo fantástico. Na época 1956/57 o F.C. Porto participou na 2ª
edição da Taça dos Clubes Campeões da Europa, como Campeão Português em título
(1955/56). Os dragões defrontaram o Athletic Bilbao e Miguel Arcanjo alinhou no
jogo da segunda mão, em Espanha. Foi um jogo brilhante da equipa portista que,
contudo, não evitou a derrota (2-3) e a eliminação (3-5) na sua estreia em
provas da UEFA.
Em 1958 Miguel Arcanjo foi um esteio da defesa de Portugal que venceu brilhantemente o Campeonato Europeu de Seleções Militares, incluindo a equipa nacional, junto com os colegas do F C Porto Hernâni e Barbosa - a que se reporta a imagem seguinte, devidamente legendada...
Na temporada 1958/59 o F C Porto voltou a ser campeão, com Béla Guttmann, estando Miguel Arcanjo numa defesa em que sobressaía ao lado de Virgílio, Barbosa e do polivalente
Monteiro da Costa.
= Campeõees de 1958/59 =
Veio depois, finalmente, a chamada à seleção portuguesa.
Jogando inicialmente pela seleção B, em 1955 e 1956. Até que chegou à seleção
A, em 1957. Estreando-se com a camisola das quinas diante da Itália (Portugal-Itália
3-0, de Qualificação Campeonato do Mundo a 26-5-1957, em Lisboa). Alinhando
Portugal com Carlos Gomes (GR), Virgílio, Ângelo, Pedroto, Arcanjo, Emídio
Graça, Vasques, Teixeira, Matateu, Salvador, Cavém – a equipa da foto ao lado.
Na primeira metade da década de 60, teve a seu lado
jogadores como Festa, Paula, Ivan, Mesquita, Joaquim Jorge e Atraca. Mas não
voltou a vencer qualquer prova de cariz federativo nacional. Conquistou entretanto a Taça Associação de Futebol
do Porto por nove vezes.
Miguel Arcanjo foi internacional em 11 vezes (contando só as 9 chamadas oficiais às seleções A e 2 na B, sem contabilizar as internacionalizações
pela seleção Militar) e jogou na fase de qualificação da Seleção A para o
Mundial de 1966.
= Seleção de Portugal que em 1965 derrotou a Turquia no primeiro jogo do apuramento para o Mundial de 1966 =
Palmarés
2 Campeonatos Nacionais da 1ª Divisão (Portugal)
2 Taças de Portugal
9 Taças Associação de Futebol do Porto
1 Europeu de Seleções Militares.
= Inclusão de Arcanjo no livro dos “Craques do Porto”, edição Quidnovi de Maio de 2001. =
Em recente artigo do jornal Público, foi também acrescentada
uma parte de narrativa em estilo clássico, descrevendo:
Começou no dia 14 de Julho de 1951 a aventura europeia de
Miguel Arcanjo Arsénio de Oliveira. Com 18 anos, subia a bordo do Angola para
embarcar rumo a Portugal, mais concretamente ao Porto, com “escala” em Lisboa.
Pela frente, o promissor defesa que tinha dado nas vistas no Sporting de
Benguela tinha o sonho de uma carreira no futebol português. Para trás, deixava
uma família com cinco irmãos, uma mãe dedicada e um pai que inicialmente tentou
dissuadi-lo de enveredar pelo desporto. Sem êxito.
O primeiro contacto do então pequeno Miguel com o FC Porto
aconteceu numa digressão dos “azuis e brancos” a Angola e ao Congo Belga. Nessa
altura, o filho mais novo de Afonso Assis e Maria da Conceição não passava de
um jovem adolescente a correr atrás de um autocarro que transportava, mais do
que uma equipa de futebol, um sonho longínquo. Quando voltou a cruzar-se com os
representantes dos “dragões”, no cais de Alcântara, era já um talento à espera
de ser limado.
À chegada, porém, o futuro começou por ficar embaciado.
Durante a viagem, desenvolveu uma inflamação no olho esquerdo e foi o seu corpo
a pagar o preço. Com dificuldades de visão, e ainda a recuperar da perda de
peso significativa que sofreu ao longo do trajeto, deixou muito a desejar nos
primeiros treinos. Valeu-lhe, então… um especialista em oftalmologia.
A sua estreia, ainda pela equipa de reservas, acontecera no
Campo da Constituição, num triunfo sobre o Boavista (4-1), sem que a sua
prestação tivesse impressionado. Os dias foram correndo, Arcanjo foi-se
adaptando e Alfredo, o principal concorrente na luta por um lugar no eixo da
defesa, foi ficando para trás. Um primeiro encontro do angolano contra o
Benfica, em 1953, deixou bons indicadores, mas o treinador, Fernando Vaz,
mostrou algumas reticências e o seu empréstimo é equacionado.
Sempre com a vida estudantil no horizonte — uma das
prioridades desde que desembarcara em Portugal —, a cedência à Académica foi
ponderada, mas a chegada ao Estádio das Antas de um novo técnico, Yustrich,
revolucionou-lhe a carreira. O brasileiro, muito rigoroso na preparação física
dos jogadores, apostou forte em Miguel Arcanjo e não se arrependeu. Durante
oito épocas consecutivas, o ágil angolano foi um indiscutível num sector no
qual também se destacavam Virgílio e Osvaldo.
Da titularidade no FC Porto — consagrada após a “dobradinha”
alcançada em 1955-56 — até à seleção foi um passo.Cumpriu dois jogos pela equipa B de Portugal e nove pela
formação principal, num total de 810 minutos que incluíram a fase de
qualificação para o Mundial da Suécia. Mas, pelo meio, não se livrou de outro
susto.
Em Janeiro de 1957, após um triunfo claro sobre o Benfica
(3-0), recebeu, chocado, a notícia dos médicos, depois de um exame no Centro de
Medicina Desportiva: tinha-lhe detetada uma dilatação inesperada no coração.
Resultado? Foi imediatamente suspenso da atividade e alvo de exames
complementares. Os dias voltavam a ficar ensombrados. A possibilidade de
simplesmente deixar de jogar era real.
Para quem já tinha desarmado o destino uma vez, porém, não
se punha a hipótese de baixar os braços. Depois de longas reuniões entre os
cardiologistas, concluiu-se que o caso era invulgar, sim, mas não anormal.
Miguel Arcanjo voltava aos relvados para ser aplaudido durante mais uns anos, tendo inclusive ainda voltado à seleção nacional A, em 1965, incluindo a equipa que começou a campanha de apuramento que levaria ao Mundial de 1966. Tendo então jogado no primeiro jogo dessa campanha, diante da Turquia, fazendo dupla portista do seu lado com o colega de equipa Alberto Festa, defesa-direito. Para depois haver encerrado a carreira em 1966, com 16 anos de ligação efetiva ao FC Porto e
dois campeonatos mais duas Taças de Portugal no palmarés. Além do título Europeu pela Seleção Militar de Portugal.
= Caixa referente a Arcanjo na galeria de Internacionais do F C Porto, trabalho de Rodrigues Teles (por solicitação do então presidente Pinto de Magalhães). =
= Foto de conjunto, aquando da vinda de Yustrich ao Porto em
Outubro de 1987, a convite de Pinto da Costa, a fim de lhe ser então prestada uma homenagem pública pelo FC Porto – em pose de velhas guardas do F C
Porto, no caso de futebolistas que tinham sido treinados pelo polémico “Homão”
brasileiro. =
Falecido em Agosto de 1989, Miguel Arcanjo teve merecida
referência alusiva numa página da revista Dragões de Setembro/ 89, cujas
palavras escritas dão nota sentimental sintomática:
Miguel Arcanjo – Um Nome do F C Porto, antigo defesa
portista e jogador à Porto. Um Homem Portista para sempre!
Armando Pinto
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