Neste espaço de memorização portista, de boas memórias e
sobretudo para avivar factos dignos de virem à tona do conhecimento, recuamos desta vez até eras dos primeiros tempos político-sociais do
Estado Novo. Vindo a talhe recordar a figura do Dr. Ângelo César Machado, a
propósito da efeméride de sua eleição para Presidente do Futebol Clube do
Porto. Figura sociável da cidade do Porto, onde se radicou, e personagem da vida nacional, tinha raízes da zona de transição duriense e beirã ribeirinha do rio Douro, pintada de cores de vinhas e cerejas, sendo natural de Anreade, concelho de Resende, distrito de Viseu. Onde, na antiga
freguesia desse nome, Anreade (e não Andrade, como aparece em várias alusões sobre
o mesmo), atualmente da União das freguesias de Anreade e São Romão de Aregos,
nasceu a 4 de março de 1900 na Casa de Santo António do Muro/Casa da Granja – mansão familiar da
qual depois o Dr. Ângelo César Machado foi proprietário (e atualmente, nos inícios do séc.
XXI, é propriedade dum seu sobrinho).
Com efeito, a 5 de setembro de 1938 Ângelo César Machado,
notável portista, advogado, poeta e escritor, era eleito presidente da Direção
do FC Porto. Tendo tomado posse no imediato dia 9, do mesmo nono mês, desse ano. O seu mandato ficou marcado pela conquista do primeiro
bicampeonato de futebol e do primeiro título de campeão nacional de andebol de
11 da história do clube. E sobretudo pela sua coragem de tomar posição ante as tropelias
do sistema que já então levava tudo a eito em benefício dos clubes de Lisboa.
Com essa aura histórica, o Dr. Ângelo César bem se pode considerar um bom antecessor de bons Presidentes na luta contra o centralismo e corrupção vigente, em suma em prol da justiça diante da batota do sistema desportivo e federalismo futebolês do regime BSB.
Para boa elucidação de todo esse “ambiente”, recuperamos
trabalhos merecedores de apreço noutros espaços de memorização, de modo a reforçar tal veemência, transplantando assim para aqui
algo disso esclarecedor, através de descrições historiadoras:
Assim, sua biografia está bem condensada e acondicionada no blogue Estrelas do FC P, da lavra de Paulo Moreira:
« Ângelo César Machado nasceu no dia 4 de Março de 1900 em
Resende.
Foi o 19º Presidente do Futebol Clube do Porto.
Advogado profissional, o Doutor Ângelo César assumiu a
presidência dos Dragões no dia 9 de Setembro de 1938, cargo que ocupou até
Julho de 1940.
Nos dez meses que comandou os destinos do F.C. Porto foram
muitas as alterações que implementou, todas com o objectivo de reduzir as
despesas já que encontrou o clube com uma situação financeira não muito
saudável. Desde logo reviu o salário dos jogadores e cortou com o prémio de
vitória no Campeonato do Porto, aplicou multas aos jogadores que faltavam aos
treinos assim como aqueles que não cumprissem o seu dever de profissional, deu
também ordem para que quando a equipa jogasse em Lisboa devia regressar ao
Porto no mesmo dia, angariou-se novos sócios e foram feitas obras no Campo da
Constituição para aumentar a lotação para 20 mil lugares.
No campo desportivo foi sobe a sua presidência que o F.C.
Porto se sagrou pela primeira vez Bi-Campeão Nacional ao vencer os Campeonatos
Nacionais de 1938/39 e 1939/40 e conquistou ainda o Campeonato do Porto de
1938/39.
Outro acontecimento que marcou a sua presidência foi a sua
irradiação estipulada pela Federação Portuguesa de Futebol, já que o Doutor
Ângelo César Machado era um presidente que não compactuava com as injustiças no
futebol que na altura já aconteciam e era uma voz muito incomoda para o poder
da capital, quer a acusar os dirigentes da F.P.F. de prejudicarem o F.C. Porto
em favor dos clubes de Lisboa, assim como os árbitros. Na cidade do Porto tanto
os portuenses como os próprios portistas viram essa irradiação como mais um
acto de injustiça para com o clube e para demonstrar que estavam ao seu lado
elegeram-no Presidente da Assembleia-Geral do F.C. Porto.
No dia 17 de Novembro de 1944 foi eleito Presidente
Honorário dos Dragões.»
Também, em vasto aspeto, é obrigatório verificar quão bem está descrita toda a ambiência relacionada com o período presidencial do Dr. Ângelo César, como ficou lavrado por Fernando Moreira em Dragões de Azul Forte, na parte histórica do blogue "Bibó Porto, Carago":
« FCPorto – Dragões de Azul Forte
Retalhos da história, conquistas e vitórias memoráveis, figuras e glórias do
F. C. do Porto
Capítulo 4: 1931 a 1940 – À conquista do futuro; Bicampeão! (Parte XIX)
Como calar César…
A Federação Portuguesa de Futebol propôs ao seu Congresso a irradiação do Dr. Ângelo César Machado, presidente do FC Porto, por ter instado a equipa a abandonar o campo nas Amoreiras, no jogo com o Benfica para a Taça de Portugal 1938-39 (2.ª mão das meias-finais), e pelas declarações que fizera em defesa do seu clube na questão do encontro anulado com o Académico do Porto.
Ângelo César (ao jeito do que, muitos anos depois, haveria de fazer Pinto da Costa) insurgia-se contra o despotismo de Lisboa e as tentativas de colonização do Porto, contra os jogos de bastidores para prejudicar o FC Porto, contra o conluio de dirigentes alfacinhas e árbitros que, dizia, ambicionavam que Benfica, Sporting e Belenenses continuassem a dominar o futebol português. Num país em que a lei da mordaça imperava, em que a censura dominava a seu bel-prazer, em que a submissão era um tributo, espantava que César dissesse o que dizia, que tivesse a coragem que afrontava os “senhores” de Lisboa.
Foi assim, sem surpresa, que a FPF decidiu, no final da época de 1939-40, irradiar o presidente do FC Porto para… o calar! Os associados portistas, ripostando, fizeram do presidente irradiado, num acto de profundo simbolismo e grandíssimo amor clubista, presidente da Assembleia-geral do FC Porto. Para presidente da Direcção foi escolhido Pires de Lima, que era, então, um dos mais notáveis deputados da União Nacional.
Refira-se, e não deve ter sido por inocente coincidência, desde que a voz incómoda de César foi amordaçada, começou o calvário das arbitragens súcias que, de forma despudorada, prejudicavam sucessivamente o FC Porto.
Dr. Ângelo César Machado (n. Andrade - n. r. Anreade - Resende, 4 Mar.1900 – m. 12 Jul.1972), advogado, poeta e escritor; Presidente do FC Porto entre 9 Set.1938 e Jul.1940. Ao assumir a presidência do FC Porto em Setembro de 1938, Ângelo César confrontou-se com a necessidade de recuperar o clube de uma crise financeira sem precedentes e tomou as medidas adequadas.
• Encetou de imediato o saneamento financeiro de que encarregou o tesoureiro da sua Direcção, José Donas. Do programa constava a revisão de ordenados de jogadores, a anulação de prémios de vitória no Campeonato Regional, pelo estabelecimento de multas quando se verificasse que o jogador não cumpria, com brio desportivo, o seu dever, ou quando faltasse aos treinos; estipulou-se que a equipa devia regressar ao Porto no mesmo dia (sempre que jogasse em Lisboa), promoveu-se a captação de novos associados e o aumento de quotizações, etc. Determinou obras no Campo da Constituição para aumentar a capacidade para 20 mil espectadores
• Todavia, o que marca a presidência de Ângelo César são dois acontecimentos de cariz diferente:
- A conquista do primeiro Bicampeonato da história do FC Porto, nas épocas 1938-39 e 1939-40, sob o comando de Miguel Siska que ele contratou quando despediu François Gutskas.
- A sua irradiação pela FPF (Federação Portuguesa de Futebol), a pretexto de ter instado a equipa a abandonar o campo nas Amoreiras, em jogo com o Benfica para a Taça de Portugal 1938-39, e de ter proferido declarações “impróprias” em defesa do seu clube na questão do encontro anulado com o Académico do Porto na época 1939-40.
• Mas, efectivamente, a razão da irradiação estava no facto de Ângelo César ser uma voz incómoda, muito incómoda, para o poder desportivo sediado em Lisboa. Ele, que até havia sido uma figura grada ao regime político vigente, acusava publicamente o órgão federativo de favorecer os clubes da capital, insurgia-se contra as arbitragens que prejudicavam as equipas do Norte beneficiando as do Sul, clamava, em suma, por justiça, por equidade. Essa postura e o facto de a exercer, energicamente, em defesa do “inimigo” de Lisboa, o FC Porto, condenou-o à irradiação.
O grito de revolta ecoou por toda a cidade do Porto e, num acto louvável e de grande simbolismo, os associados portistas nomearam Ângelo César presidente da Assembleia-geral do clube.
• Da gestão desportiva de César, realce também para o primeiro título de Campeão Nacional de Andebol de 11 e para as contratações de excelentes futebolistas de que se destacam os jugoslavos Kordnya e Petrak e o húngaro Andrasik.
Ângelo César Machado foi agraciado com o título de Presidente Honorário do FC Porto, em 17 Nov.1944.
• Ângelo César, um notável Presidente Portista! »
Como complemento, respiga-se outra crónica do blogue "Reflexão Portista":
« 1940, Presidente irradiado e equipa roubada
Época de 1939/40. Enquadramento - o FC Porto tinha ficado em terceiro lugar no regional, mas participou no campeonato por causa de uma manobra administrativa. A Federação Portuguesa de Futebol fez o alargamento à pressa e as portas abriram-se. Os portistas foram campeões e estiveram quase a consegui-lo sem derrotas mas, a 21 de Abril de 1940, perderam no Lumiar. O Sporting venceu por 4-3 com o golo da vitória a ser marcado a 20 segundos do fim. Ângelo César, o presidente da altura, já reclamava os privilégios dos clubes de Lisboa. Na equipa distinguiam-se os croatas Petrak e Kordnya.
Equipa do FC Porto campeã nacional em 1938/39
Depois de ter conquistado os campeonatos de 1938/39 e 1939/40, o FC Porto sonhava, pela primeira vez, com o seu terceiro título consecutivo. Mas já na época do "bi" a prova teve que ser alargada de forma a repor a "justiça", após uma decisão da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) contrária à da Associação de Futebol do Porto, que colocava o Leixões no "Nacional", em detrimento dos (campeões) portistas. A ilógica da determinação federativa era tal que a formação de Matosinhos recusou o lugar, alegando que a equipa que deveria estar por direito na fase final era o FC Porto. E o FC Porto, com Mihaly Siska no comando técnico, provou então, que era a melhor equipa nacional.
FC Porto – Belenenses, 1939/40, Kordnya e o guarda-redes do Belenenses Salvador
(fonte: revista Stadium, 3 de Julho de 1940)
Na temporada de 1940/41, a FPF radicalizou as suas acções de forma a serem mais eficazes. Angelo César, presidente do FC Porto, utilizava naquela altura um discurso (idêntico àquele que viria a ser retomado por Pinto da Costa) contra os poderes instituídos em Lisboa, contra as arbitragens que prejudicavam constantemente as equipas do Norte favorecendo, por outro lado, as do Sul. E quando se levantou a grande polémica que marcou a época de 1939/40, Ângelo César clamava por justiça, mais do que nunca.
Para não voltarem a ser incomodados e ainda, por cima, obrigados a conceder-lhe razão, os senhores da FPF irradiaram o presidente portista. Os portistas elegiam simplesmente Ângelo César para presidente da Assembleia Geral, mas o grito de revolta ecoava por toda a cidade.
Por coincidência (?), desde que a voz incómoda de César foi amordaçada, começaram então as arbitragens que de forma descarada prejudicavam sucessivamente o FC Porto, como se pode constatar na consulta de qualquer jornal da época. Logo no primeiro jogo entre os "grandes", o Sporting recebeu os portistas e ganhou por concludente 5-1. Como se não bastasse o resultado ser tão desequilibrado, o sportinguista João Cruz lesionou gravemente o guarda-redes portista, Bela Andrasik, que foi evacuado para o Hospital de São José. Henrique Rosa, o homem que de negro vestido, pintou a sua actuação de verde e branco, encarregou-se de consentir o terceiro golo na sequência de um fora de jogo claríssimo e validou o quarto tento, quando o guardião Andrasik se contorcia com dores no chão, graças a duas fracturas nos ossos da face, depois da agressão de João Cruz.
A guerra Norte-Sul adensou-se ainda mais quando Carlos Pereira, a meio da época, optava por jogar no Unidos FC, um clube de Lisboa que lhe ofereceu o dobro do vencimento que auferia no FC Porto e ainda 30 contos de "luvas". A equipa portista, sempre comandada por Siska, ainda conseguiria fechar o campeonato com uma vitória de 5-2 sobre o Benfica, mas a derrota consentida no Lima ante o Sporting tinha-a já atirado irremediavelmente para fora da rota do "tri", naquele em que seria mais tarde recordado como o ano em que os árbitros viraram "anjos negros".
in Bola na Área, 10/11/2008 »
Para finalizar, em virtude da cartilha do sistema por vezes andar lançando atoardas de falsidades atiradas pela Internet e páginas de falsos
perfis das redes sociais, regista-se ainda a folha do Dr. Ângelo César Machado
como Deputado nacional, de forma a demonstrar pela narrativa oficial o que ele
fez tão só em tal período de Deputado - muito depois de ter deixado de ser Presidente do FC Porto:
O Dr. Ângelo César, além de tudo o que ficou relacionado com o FC Porto, foi um literato de obra conhecida e especialmente inspirador de paixão duma grande poetisa... como foi o caso passado com Florbela Espanca. Mas isso são outras histórias.
Nota: A propósito, recorde-se ainda do tempo do Dr. Ângelo César uma das grandes vitórias de seu período presidencial, como se pode rever (clicando) em
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